Midiatização e redes digitais: os usos e as apropriações entre a dádiva e os mercados
Desenvolvemos, durante algumas décadas, um modelo
de apropriação. Diríamos que, neste modelo, definimos um ideal
padrão, mas que não vai ser encontrado na realidade como tal. A
apropriação resulta de certas condições, mas não vamos encon-
trar todas essas condições na realidade. O fato de enunciar todas
essas condições nos permite avaliar situações em que haja o uso
do objeto técnico. Com o auxílio deste modelo, perguntamo-nos
em que medida há apropriação. Este modelo anuncia, num pri-
meiro tempo, uma precondição, que seria a da acessibilidade ao
dispositivo técnico. É uma precondição. Se não temos acesso, não
há apropriação. Mas podemos apontar que muitos trabalhos em
torno da exclusão digital trataram da questão do acesso e não
da questão da apropriação. Produzem-se, então, estatísticas, em
escala mundial, para mostrar que determinados países não têm
acesso aos objetos técnicos. Mesmo que esses países tivessem
acesso, poderíamos nos perguntar: qual é a apropriação, neles,
do objeto técnico? Devemos dominar, técnica e cognitivamente,
o artefato. A segunda condição: deve haver uma integração do
uso na prática cotidiana do ator. Diríamos que é uma integração
significativa. A formulação desta condição nos ocorreu quando
realizávamos trabalhos de observação de aulas de informática,
bem no início da microinformática. Observando essas aulas de
capacitação em meios populares de Montreal, demo-nos conta
de que as pessoas vinham a este centro de educação popular,
se empenhavam em compreender o funcionamento do compu-
tador, mas voltavam para casa e não tinham um computador à
disposição. É como se decidíssemos aprender português sem
nunca termos a possibilidade de conversar com pessoas que
falam português. A segunda condição é a integração do uso na
vida cotidiana; é preciso ter algo para fazer com o objeto técnico,
senão não há apropriação.
A terceira condição é a da inovação. Um uso abre a
possibilidade de criação, ou seja, são atividades que geram no-
vidades, na prática. Por exemplo: entre a prática da escrita e o
uso de editor de texto. Quando começamos a utilizar, nos anos
1980, um editor de texto, demo-nos conta de que isso tinha um
impacto no modo de escrever. Temos aí um caso em que o uso
tem um impacto na prática. Demo-nos conta de que podíamos,