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Midiatização e redes digitais: os usos e as apropriações entre a dádiva e os mercados

Sobre as problemáticas e desafios que temos na obser-

vação dos usos, a nossa primeira ideia é de que o observador

é participante. Ele estrutura a situação observada. O analista é,

ao mesmo tempo, até certo ponto, um escritor. Ele vai enunciar

uma narrativa para descrever a situação que observou. Há um

trabalho do observador, não somente pela sua presença na si-

tuação, mas, eventualmente, na narrativa que ele vai produzir a

partir da sua observação.

A segunda ideia é a da virtualidade do usuário. O usuá-

rio está virtualmente presente, mas no próprio objeto há um

convite ao manejo deste objeto de uma determinada maneira.

Devemos, também, levar em conta o fato de que isso requer um

usuário que seja sensível a esse tipo de “convite”. É uma ideia um

pouco complicada. Damos um exemplo: uma maçaneta de porta.

Se uma maçaneta for bem desenhada, vai-se olhar e ver que é

preciso empurrar ou puxar a porta. Mas não podemos atribuir

essa dedução apenas ao objeto técnico. Também é uma questão

de interação entre o modo como o objeto técnico é desenhado e

o modo como o percebemos. Uma noção que provém da psico-

logia cognitiva. Uma questão de percepção. O modo como é con-

cebido pressupõe a imagem de um determinado usuário. Vamos

conceber a interface tendo emmente uma determinada imagem

do usuário. A terceira ideia é a de que, do âmbito da invenção, por

exemplo, da internet, o professor Thierry Bardini, um colega de

Montreal, investigou o processo de invenção do microcompu-

tador e percebeu que os primeiros conceptores eram, eles pró-

prios, os usuários. Há, então, um trabalho reflexivo do conceptor,

pensando que ele desenvolve um objeto, mas que o faz porque

o usa de determinada maneira. Isso é o que Bardini chama de

“usuário reflexivo”, ou seja, o conceptor como um usuário que

reflete. Como desafio, é preciso tomar consciência de que exis-

tem lutas pelo controle e pela difusão dos saberes sobre os usos.

Temos aí uma problemática de reapropriação orientada dos usos

pelos atores políticos industriais. Não sabemos qual é a situação

no Brasil, mas, na França, por exemplo, vários ministérios se in-

teressam muito em encomendar pesquisas sobre usos, para ob-

servar o que as pessoas fazem. E se interessam em ter resultados