Midiatização e redes digitais: os usos e as apropriações entre a dádiva e os mercados
O terceiro nível é o do uso situado. Por meio de tra-
balhos etnográficos, principalmente os que se baseiam em en-
trevistas em profundidade junto aos usuários, trata-se de des-
crever o uso no seu contexto prático. E, então, tocamos no que
poderíamos chamar de “experiência do usuário”. Eu faço um uso
e, para mim, isso é uma experiência. Eu vivencio algo neste uso.
Poderíamos pensar em toda a questão do investimento do obje-
to técnico como um elemento de modernização. Se dizemos que
precisamos comprar um novo computador,
smartphone
, se dize-
mos que precisamos da última versão porque sem isso vai faltar
algo, então há um investimento quase psicanalítico no objeto.
Isso remete àquilo que falamos sobre objeto simbólico.
O quarto nível é o do objeto prescritor de normas. No
design
do objeto técnico, há mais do que características técnicas;
existem escolhas. A indústria, que está por trás do
designer
, le-
va-o a fazer escolhas. Por exemplo: o
designer
que imagina um
fórum
online
de discussão, um exemplo simples; nesse fórum,
não se permite uma intervenção direta por parte dos usuários.
Pode-se intervir, mas a intervenção vai ser aprovada por ummo-
derador do fórum. Observem que existe aí uma dimensão polí-
tica, há certa parte do controle da conversação de grupo, que é
posta nas mãos de agentes de controle, enquanto que em outro
modelo de fórum, sem moderador, a palavra circula mais livre.
Assim, o objeto técnico está prescrevendo normas.
O último nível é o da ancoragem coletiva e histórica dos
usos em séries e sequências históricas ou estruturais, que cons-
tituem o que poderíamos designar como formas sócio-históricas
dos usos. O uso de um objeto técnico se situa numa sequência
temporal. Usos precederam e outros usos seguiram. Quando
surgiu a internet, perguntamo-nos se era uma mídia como as
outras. Antes, tivemos o cinema, rádio, TV, e aí entra a internet.
Questionamo-nos: será que a internet é mais uma mídia como
as outras, será que é diferente? O que podemos dizer é que a
internet é um objeto técnico, não apenas de comunicação; é uma
espécie de alavanca técnica para o desenvolvimento. E cada um
dos grandes setores da economia foi impactado pelo advento da
internet. Há uma reflexão a ser feita em torno do surgimento de
um objeto técnico, sobre os modos de uso e sobre uma continui-
dade ou ruptura histórica.