Midiatização e redes digitais: os usos e as apropriações entre a dádiva e os mercados
da estratégia – alguém tem uma estratégia e desenvolve táticas
que ilustram, que fazem funcionar a estratégia. Para Michel de
Certeau, a tática se opõe à estratégia, diz respeito aos usuários
comuns, aos consumidores. As táticas de desvio, de improvisa-
ção e de astúcias são, todas elas, táticas que os pequenos vão rea-
lizar, vão adotar, para tentarem manter certo poder em relação
às estratégias dos grandes atores industriais. Essas estratégias
controlam as mídias. Observamos que toda essa antropologia
cultural que nos é proposta por Michel de Certeau vai ser uma
fonte teórica para aqueles que trabalham com as abordagens et-
nográficas na recepção.
Passemos agora a esta corrente das abordagens etno-
gráficas e à descrição do que chamamos de recepção secundária.
Essa é uma situação de recepção na qual não estamos em inte-
ração direta com a fonte midiática. Eu não estou em interação
com a “telinha”, mas estou no escritório, na frente da cafeteria,
no ônibus, no restaurante, e o objeto da minha conversa é o pro-
grama de televisão a que eu assisti na véspera. Então aí temos
uma recepção secundária. Estamos aí diante de uma atividade
de interpretação da mensagem através de conversas que não es-
tão mais no seu sítio originário de recepção da mensagem.
O que é muito interessante, no artigo de Dominique
Boullier (2004), é o fato de que ele
se interessa pelas conversas
entre as pessoas, que se desenvolvem em locais diferentes. Ele
nos apresenta um caso em que fala da produção de uma opinião
pública local. Um exemplo: estamos no escritório e as pessoas
estão conversando de manhã sobre o programa a que assistiram
na véspera. Todas
assistiram ao programa na véspera sobre a
cirurgia plástica. E, no início, começam conversas, inofensivas,
sobre o programa, e, aos poucos, nesta conversa surge a questão
do lugar da beleza na sociedade. A gente vê, então, que se partiu
do fato de que alguém desejou uma cirurgia plástica para modi-
ficar o nariz, e, na realidade, a pergunta é: isso realmente é útil?
Mas depois se começa a refletir sobre o lugar que a beleza ocupa
na sociedade. Podemos observar que há um aumento global de
argumentos e produção de opinião pública local.
Um último elemento que ilustra as abordagens etno-
gráficas está nos trabalhos sobre os usos familiares da televisão.
Nestes trabalhos foram feitas descrições minuciosas do contex-