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Midiatização e redes digitais: os usos e as apropriações entre a dádiva e os mercados

definidos por Sonia Livingston, uma pesquisadora britânica im-

portante nessa perspectiva.

O primeiro desafio epistemológico é distinguir entre o

que as pessoas dizem e aquilo que elas fazem, distinguir as de-

clarações das práticas. Lembro-me de que, por ocasião de uma

das minhas pesquisas, uma das minhas observadoras estava fas-

cinada pelo que, durante uma longa entrevista, o entrevistado

havia dito a respeito do que chamamos em Quebec de telerro-

mances, que aqui vocês chamam de telenovelas. Perguntou-se a

esta pessoa: Você assiste aos telerromances? E a pessoa respon-

deu que não. Havia, então, uma questão de legitimidade. A pes-

soa dizia a si mesma: “Não é bom que eu assista a telenovelas”.

Isso estava na mente dela, e então ela respondeu negativamente.

Ela disse que assistia a programas mais sérios de informação, de

interesse público, enfim. Como a entrevista foi muito longa, em

dado momento a pessoa, espontaneamente, no momento de ou-

tra pergunta, acabou dando um exemplo de enredos das teleno-

velas. Ela estava muito a par do que estava acontecendo nestas

telenovelas. Observa-se que havia um hiato entre a declaração

e a prática. Há realmente uma preocupação epistemológica nos

estudos de recepção em distinguir e conseguir descrever as prá-

ticas. Trata-se realmente de um desafio.

O segundo desafio é perceber, em toda a sua comple-

xidade, a relação entre o texto e o leitor. Este texto no fundo do

texto significa que os estudos de recepção, principalmente nessa

primeira geração, postulam uma interação entre a mensagem,

aquilo que se vê, que é considerado como texto, e o telespecta-

dor, que é considerado o leitor. Esta foi uma contribuição dos

Estudos Culturais para tentar definir os dois polos em termos de

texto e leitor. O terceiro desafio é articular a recepção com uma prag-

mática, não necessariamente no sentido filosófico, mas no senti-

do de uma pragmática da comunicação. É saber

analisar aquilo

que as mensagens recebidas induzem na vida cotidiana das pes-

soas. Isso parece ser muito interessante. Entender, não somente

como uma pessoa interpreta o que ela vê, mas também o que ela

faz com isto na sua vida cotidiana. O que ela faz com a telenovela

na sua vida cotidiana? Será que isso implica, envolve certa moral

na vida cotidiana? Existem princípios morais contidos em cer-