Midiatização e redes digitais: os usos e as apropriações entre a dádiva e os mercados
entender como acontece uma vida específica. No caso desta pes-
quisa, tentei me concentrar no que podemos entender a partir
do recolhimento de depoimentos de práticas, com entrevistas
bastante livres, sem ou com pouca quantidade de entrevistas
dirigidas. Em resumo, fizemos duas entrevistas com cada pessoa
que entrevistamos. Elas duravam entre duas e três horas cada.
A palavra-chave no primeiro encontro era “Fale-nos de sua fa-
mília”. Nós não falávamos da televisão, mas deixávamos a pes-
soa nos falar da sua família e esperávamos que aparecessem as
questões sobre a televisão. E se por acaso a televisão não era
abordada na primeira entrevista, na segunda já começávamos
perguntando “Qual é a sua maior lembrança sobre o uso da tele-
visão?” e, a partir disso, começávamos a entrevista. Começamos
a recolher um material muito rico. Eu escrevia alguns artigos,
mas não escrevi um livro que deveria ter escrito. Levei três anos
para coletar tudo isso, mas tive um problema técnico que não
me permitiu continuar. Então eu lamento por causa
da riqueza
deste material. Tínhamos um material que nos permitiu falar da
relação com a televisão em quatro gerações, pois entrevistáva-
mos todos nas famílias, filhos, avós, etc. Não exploramos esse
material como queríamos.
A minha pesquisa seguinte (1995-1996) foi sobre as
“comunidades etnoculturais”, os vietnamitas, haitianos, italia-
nos, portugueses que se estabeleceram em Montreal. Fiz uma
pesquisa usando o modo “grupo focal”, reunindo cerca de 10
pessoas que falaram
sobre seu consumo televisivo. Continuei
o meu programa de pesquisa sobre a recepção com um colega,
especialista em estudos políticos. Pensamos que seria interes-
sante imaginar um programa de pesquisa que estivesse numa
interface entre a tradição dos estudos de política e estudos de
recepção. Trabalhamos com um grupo de cerca de 20 militan-
tes que, em suas práticas militantes, estavam envolvidos com a
questão das mídias. Desejávamos observar qual era o modo de
consumir as mídias desses militantes. Ou seja, tentamos entrar
na vida privada deles para tentar refletir sobre o seu modo de
consumir a televisão e o seu modo de intervenção. A originalida-
de metodológica desta pesquisa foi a possibilidade de combinar
entrevistas individuais profundas e encontros de grupos focais.