Redes digitais: um mundo para os amadores. Novas relações entre mediadores, mediações e midiatizações
Não se pode deixar de considerar que a identidade, ain-
da que seja uma invenção humana, via de regra particular, está
imbricada por aspectos externos, entre eles, questões políticas e
econômicas. Neste sentido, a autoinvenção digital – a produção
do “eu digital” – se configura em parte por aquilo que dizemos
de nós mesmos (o
conteúdo
) e por aquilo que o espaço tecno-
cultural contemporâneo permite dizer (a
forma
). A propósito,
ao falarmos “forma e conteúdo”, precisamos ressaltar que suas
possibilidades de expressão atuais estão diretamente ligadas
(ou subordinadas) à racionalidade de nosso tempo, em que os
valores sociais na rede parecem convergir para uma composição
de sujeitos cuja preocupação com a aparência passa a ser um
critério prioritariamente relevante, o que leva as identidades a
funcionarem como uma espécie de “boas mercadorias”. Juntem-
se a isso as ideias de identidades reflexivas propostas por Ulrich
Beck e Anthony Giddens, citados por Allard e Vandenberghe, de
que as antigas restrições socioculturais como as referentes às
classes sociais, religião e naturalidade, por exemplo, deixam de
ser restritivas. Deste modo, os antigos “habitats” identitários
rígidos deixam de ser marcos automáticos de identificação e
formação dos sujeitos, abrindo uma maior variabilidade de li-
berdade (que pode ser compreendida como uma “assinatura”
de autenticidade) e de construção identitária pessoal. Estes
funcionam mais aos modos dos interesses pessoais e das comu-
nidades em que as pessoas estão relacionadas que aos mode-
los sociológicos clássicos. Aliás, nesse espaço público em rede
e conectado, a liberdade torna-se (em grande parte dos casos)
um imperativo. “[...] theories de Beck et de Giddens [...] affirmer
que l’identite n’est pas seulement une question de choix, mais
aussi une question d’expression et d’authenticité”
19
(ALLARD;
VANDENBERGHE, 2003/1, p. 200).
Ainda que a construção de identidades esteja liberta de
diversas amarras e constrangimentos nas redes sociais que es-
tamos discutindo neste texto, Facebook e Twitter, há uma série
de normas para a construção dos perfis dos usuários, ainda que
nem todas sejam de preenchimento obrigatório. No Facebook há
19 Tradução nossa: “[...] teorias de Beck e Giddens afirmam que a identidade não
é apenas uma questão de escolha, mas também uma questão de expressão e
autenticidade”.