Redes digitais: um mundo para os amadores.
Novas relações entre mediadores,
mediações e midiatizações
4 Novos paradigmas para novos “eus”
Diante de todas as considerações apontadas, cabe, por
fim, fazer uma aproximação teórica com o filósofo Vilém Flusser,
o que nos parece produtivo para o debate em tela sobre a cons-
trução do “eu digital”. Isso porque as intuições de Flusser, prin-
cipalmente em seu livro
O mundo codificado
(2007), são perti-
nentes para as análises dos construtos audiovisuais, à medida
que o autor chama atenção para a dimensão da artificialidade da
comunicação humana (FLUSSER, 2007, p. 90). Isso se torna ain-
da mais relevante se levarmos em conta que nossa preocupação
central é a construção do “eu digital” feita por amadores. Para
Flusser, embora a lógica linear de comunicação consolidada pela
escrita ao longo de mais de 25 séculos ainda seja predominan-
te, ela ganhou, a partir da segunda metade do século XX da era
cristã, uma concorrente à altura em termos de penetrabilidade
social: trata-se da racionalidade de tipo não linear chamada por
ele de “pensamento em superfície”. Esse tipo de raciocínio está
relacionado às inferências que surgem a partir do consumo e
produção massivas de imagens (obras de arte, publicidade, ci-
nema, fotografia, etc.). Há, neste ponto, uma convergência com
os autores Allard e Vandenberghe no sentido de que eles ressal-
tam a importância das imagens na construção dos sujeitos na
Internet. Parece-nos, então, razoável inferir que o fato das ima-
gens serem cruciais para a construção do “eu digital” decorre de
uma espécie de reflexo, justamente, desse novo tipo de raciona-
lidade, que, por sua vez, é derivado do pensamento em super-
fície. “As linhas escritas, apesar de serem muito mais frequen-
tes do que antes, vêm se tornando menos importantes para as
massas do que as superfícies. Não precisamos de profetas para
sabermos que o ‘homem unidimensional’ está desaparecendo”
(FLUSSER, 2007, p. 103).
A problematização que se impõe diante de tal contexto,
sobretudo ao trabalho dos sociólogos e comunicadores, é am-
pliar as formas de interpretação das novas
ethicidades
que estão
em jogo nas construções dos sujeitos constituídos no ambiente
web
. A tradição ocidental permitiu, ao longo dos séculos, varia-
dos aprimoramentos e perspectivas no modo de análise do pen-