Redes digitais: um mundo para os amadores. Novas relações entre mediadores, mediações e midiatizações
cialista, o que, por sua vez, instaura um espaço de conversações
mais democrático e, igualmente, mais perturbador.
As interpretações dissonantes entre Flichy e Keen em
torno do lugar ocupado pelo amador na internet ficam absolu-
tamente explícitas a partir do momento em que ambos os ato-
res propõem-se a discorrer sobre o projeto de concepção da
enciclopédia colaborativa Wikipédia. Na visão do autor francês,
a Wikipédia tornou-se uma enciclopédia organizada de forma
profundamente democrática, tornando possível que prospere a
construção coletiva do conhecimento em oposição a uma pers-
pectiva determinística imposta por um único autor. Na visão do
autor norte-americano, por sua vez, à voz de um estudante do
ensino fundamental não pode ser atribuída a mesma valoração
da voz de um erudito. Nesse sentido, a Wikipédia e “seus mi-
lhões de editores amadores e não confiáveis” estariam minando
a autoridade do especialista, único agente credenciado a avan-
çar para além daquilo que emerge da “sabedoria das massas”
(KEEN, 2009, p. 45).
Entre otimistas e pessimistas, o que se sabe é que o
amador ocupa lugar cada vez mais destacado no ambiente di-
gital, inclusive ressignificando o lugar clássico do jornalista en-
quanto mediador credenciado a operar sentidos entre os fatos
domundo e sua transposição emdispositivos técnico-midiáticos.
2 Crise da mediação jornalística
Ao contrário do que acontece nas redações jornalísti-
cas, comunicadores profissionais e amadores coexistem nas re-
des sociais, projetando, cada qual à sua maneira e com distinta
força repercussiva, distintas narrativas em torno de temas os
mais heterogêneos – incluída nestes a morte – gerando bifur-
cações e disrupções de sentidos as mais variadas (FERREIRA,
2016). Livre dos constrangimentos organizacionais e dos pre-
ceitos deontológicos que permeiam o ofício jornalístico, as mí-
dias sociais permitem a qualquer usuário publicar informações
em rede sem a necessidade da anuência de um editor. Em meio
a fluxos circulatórios dispersos, sublinha Fausto Neto (2013, p.
45), “desponta a indeterminação, aspecto que tornaria impos-
sível qualquer possibilidade de controle
a priori
da interação”.