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Redes digitais: um mundo para os amadores. Novas relações entre mediadores, mediações e midiatizações

desviá-los ou ainda transformá-los para si. Esse paradoxo, que

está no centro da atividade do fã, faz com que ele estabeleça

interações regulares com os produtores. Desse modo, sua ativi-

dade, como aquela do artista amador, inscreve-se numa cons-

trução identitária. Ele busca se distinguir pela sua aproximação

de certos produtos culturais. Experimenta de maneira intensa e

cotidiana as imagens e as produções de seu ídolo e, simultanea-

mente, tenta se reunir a ele numa quase comunhão.

O fã pode intervir de três modos na obra que adora.

No mínimo, ele pode ser coprodutor da obra reinterpretando-

-a. Pode, assim, construir uma comunidade de receptores que

comentam a obra. Enfim, ele pode prolongar o produto cultural,

por exemplo, desviando-o. Essas atividades de recepção criati-

va permitem ao fã construir uma identidade e apresentá-la aos

demais.

2.5 Uma nova forma de expressão cultural

A observação dos fãs está no âmago das pesquisas con-

temporâneas em sociologia da cultura. A perspectiva comum re-

conhece no fã um representante do público alienado, a serviço

da cultura de massa e, mais particularmente, dos produtos de

grande sucesso. Ao contrário, um sociólogo como Henry Jenkins

9

mostra que os fãs recusam as hierarquias da cultura hegemônica

ao se associar à cultura popular; ao fazer isso, eles reivindicam a

capacidade de elaborar seus próprios códigos de interpretação

no cerne de coletivos específicos. Essa aproximação se inscre-

ve na filiação intelectual de Michel de Certeau e de suas refle-

xões sobre o leitor como um saqueador

10

. O fã não é, então, um

receptor alienado de produtos medíocres da cultura popular,

mas o autor de uma comunidade de interpretação. Para poder

saquear no domínio de sua escolha, o fã deve primeiramente

ser um excelente conhecedor de músicas, de textos, de séries

televisivas. Ele pode, então, selecionar os elementos, trabalhá-

9

JENKINS, Henry.

Convergence Culture

. New York: New York University Press,

2006.

10 N. do T.: Em francês,

braconnier

é utilizado por Flichy em referência a Michel de

Certeau. A palavra originalmente designa a prática de uma caça furtiva, ilegal.

Baseado nessa concepção, Henry Jenkins utiliza o termo

poaching

para descre-

ver as apropriações dos leitores.