Midiatização e redes digitais: os usos e as apropriações entre a dádiva e os mercados
o processo diante do seu simbolismo na troca, sua intenção
nesta perspectiva, deixando de lado o campo econômico, que
também não é nossa seara. Como seria ingênuo de nossa parte
acharmos que tudo iniciou agora, tentaremos voltar ao pas-
sado para entendê-lo à luz da história. No Egito antigo, o cos-
tume de cobrar pelos serviços religiosos já existia, e tais prá-
ticas foram se aprimorando e permaneceram até nossos dias.
Assim, afirmamos que cobrar dentro de um templo não é uma
invenção que chegou com o advento das chamadas igrejas mi-
diáticas; elas somente foram se atualizando quanto às formas
de cobrança. Mas de onde surgiu a iniciativa de atrelar o econô-
mico à fé? Era costume entre os egípcios, na época dos faraós,
encomendar desde cedo aos escribas um livro em forma de
papiro que era desenhado com ricas ilustrações; este texto
tinha por intenção ensinar o defunto mumificado, conforme
a crença daquele povo que acreditava levar seu corpo físico
para o mundo espiritual. Como lá o morto iria encontrar mui-
tos entraves e perigos até chegar aos Campos Elísios, com a
ajuda deste livro superaria sua trajetória pós-morte. Contudo,
tal aquisição não era possível para as classes sem recursos fi-
nanceiros. Uma pessoa considerada de classe média tinha que
economizar muito para adquiri-lo, e, conforme seu poder aqui-
sitivo, poderia conseguir um livro commais ou menos qualida-
de. Todo este comércio de livros sob encomenda movimentava
dezenas de escribas contratados para copiar e desenhar um
manual chamado de Livro Egípcio dos Mortos. Teríamos ali o
início do mesmo procedimento que houve na Idade Média em
relação aos monges copistas. Tais rolos de papiro eram colo-
cados na tumba ao lado do morto, como uma espécie de guia;
ao lê-lo, preparava-se para enfrentar o desconhecido mundo
dos mortos.
A cópia mais antiga do Livro dos Mortos, feita em
papiro, que hoje sabemos existir, foi a escrita para
Nu, filho do “intendente da casa do selo, Amen-
hetep, e da dona da casa, Senseneb”; valiosíssimo
documento, que não pode ser posterior aos pri-
mórdios da XVIIIª Dinastia (BUDGE, s. d., p. 21).