A evangelização e o Povo Negro

Série Cartilhas Pedagógicas - vol. 4 A evangelização e o Povo Negro Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida Pastoral afro-brasileira Casa Leiria Casa Leiria

Área de Ação: Amazônia e Povos Tradicionais / Diálogo inter-religioso / Educação para as relações Étnico-raciais. Província dos Jesuítas do Brasil Pe. Provincial Mieczyslaw Smyda, S. J. Secretário para Promoção da Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas do Brasil e Diretor do OLMA Pe. José Ivo Follmann, S. J. Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA Diretor: Pe. José Ivo Follmann, S. J. Secretário Executivo: Dr. Luiz Felipe B. Lacerda Centro Cultural de Brasília – CCB Diretor do CCB e Superior do Núcleo Apostólico Brasília: Pe. Antonio Tabosa Gomes, S. J. www.olma.org.br Pastoral Afro-Brasileira Coordenador da PAB Nacional Bispo Dom Zanoni Demettino Castro Secretario da PAB Nacional Pe. José Enes de Jesus Coordenadores Cristina Silveira de Oliveira Ari Antônio dos Reis Joelmar de Souza © Direitos reservados Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida Pastoral Afro-Brasileira

Cristina Silveira de Oliveira Ari Antônio dos Reis Joelmar de Souza Casa Leiria São Leopoldo - RS 2022 A evangelização e o Povo Negro Série Cartilhas Pedagógicas – vol. 4

Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida Pastoral Afro-Brasileira Coordenação Cristina Silveira de Oliveira Pe. Ari Antônio dos Reis Joelmar de Souza Autores Pastoral Afro-Brasileira Capa Casa Leiria Edição e publicação Casa Leiria Ficha catalográfica Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB: 10/973 A Pastoral Afro-Brasileira e o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida detêm os direitos autorais do trabalho produzido pelos autores e colocaram sua cartilha sob uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

SUMÁRIO 6 UMA HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO 6 O contexto da Escravidão 8 A escravidão na era Cristã 10 A resistência dos negros e negras 15 A resiliência dos negros e negras 17 A IGREJA E A ESCRAVIDÃO 19 A partir das Conferências Episcopais 31 PASTORAL AFRO-BRASILEIRA 32 Agentes de Pastoral Negros 33 Grupo de religiosos e religiosas negros e indígenas – GRENI 34 Articulação de Bispos, Presbíteros e Diáconos Negros – Instituto Mariama 35 Congresso Nacional das Entidades Negras Católicas 39 CURSO DA PASTORAL AFRO 41 COORDENADORES DO TRABALHO 42 REFERÊNCIAS

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 6 UMA HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO O CONTEXTO DA ESCRAVIDÃO Os portugueses, depois de tomarem a decisão de colonizar o Brasil, passaram a preocupar-se com a forma de ocupação das terras brasileiras, a qual deveria responder aos interesses econômicos da Coroa Portuguesa, em termos de rentabilidade e favorecimento da ocupação. A opção dos colonizadores pela cana-de- -açúcar, fundamenta a efetivação da presença e domínio das terras brasileiras.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 7 A escravidão indígena e africana deu-se no estrado do projeto colonizador português. Primeiramente os povos indígenas foram feitos escravos. Mais tarde, os colonizadores fizeram a opção de escravizar os povos africanos. Portugal já tinha experiência em escravizar. Muitos negros eram escravos domésticos em Lisboa e em algumas ilhas do Atlântico. Havia, ainda, outro incentivo em utilizar os povos negros como escravos: os lucros com o tráfico da África para as colônias. Acontecia uma espécie de comércio triangular: os negros escravizados eram vendidos no Brasil, dali se comprava açúcar, aguardente, tabaco que, por sua vez, eram vendidos em Portugal e também na África. Economicamente, era uma atividade importante para os comerciantes e para a Coroa Portuguesa. Calcula-se que foram, aproximadamente, três milhões e quinhentos mil o número de negros que vieram da África para o Brasil. Estimativas apontam que, 100 milhões de negros foram tirados do Continente Africano para serem escravizados no novo mundo.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 8 A ESCRAVIDÃO NA ERA CRISTÃ O processo escravagista teve como principal propulsor a Coroa Portuguesa, um país católico, com governante católico. A importância econômica do empreendimento estava acima das questões éticas e de consideração à dignidade humana dos escravizados. O flagelo escravagista que atingiu os negros e negras foi a base econômica do Brasil por quase três séculos com o apoio da Coroa Portuguesa e também do Império Brasileiro. Benedito Calixto, Moagem da cana no engenho, São Paulo, Museu Paulista.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 9 O contato dos negros e negras com a fé cristã em terras brasileiras aconteceu envolvido pelo processo escravagista. Este é considerado uma instituição do período colonial e imperial, responsável pela economia brasileira e que determinou a vida social e colonial. Mesmo que no Continente Africano houvesse contato com a fé cristã, no Brasil ela estava sintonizada não com a liberdade de culto, mas com uma vida de cativeiro. O Batismo era, para os negros, o sacramento que os inseria na escravidão antes da vida cristã. O Batismo era um passo importante no processo de aquisição dos escravos negros. Como Igreja Católica e Estado estavam unidos, o Batismo tornou-se questão legal.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 10 A RESISTÊNCIA DOS NEGROS E NEGRAS Cada vez mais, os negros buscavam a liberdade, entretanto, tal ato era considerado subversivo, uma vez que ia contra a lei, bem como considerado um pecado. A permanência na escravidão se constituía uma exigência ética aplicada aos escravos, e o regime escravocrata fica sendo reconhecido como uma ordem social aprovada por Deus (AZZI, 2005, p. 101). Os negros resistiram e não deixaram de enfrentar o projeto escravagista. Destacamos três movimentos diferenciados que marcaram a resistência negra: Iniciativas individuais Articulação quilombola Irmandades, confrarias e outras organizações.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 11 INICIATIVAS INDIVIDUAIS • A resistência individual baseava-se em iniciativas pessoais de fuga ao regime forçado de trabalho e ao cativeiro. Muitas vezes o preço da iniciativa eram os castigos e até a morte com precedência nos castigos, porque não convinha matar quem dava lucro para os senhores. • O enfrentamento passava pela atitude de fazer “corpo mole” no trabalho, quebrar as ferramentas, incendiar plantações, agredir os senhores e feitores.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 12 ARTICULAÇÃO QUILOMBOLA • As comunidades quilombolas foram constituídas como iniciativas de resistência a partir de revoltas e fugas. Os afrodescendentes não aceitaram passivamente a escravidão. A fuga e a formação de quilombos, eram meios de resistência ao projeto escravagista consistente e duradouro. Normalmente eram constituídos em locais de difícil acesso, o que dificultava ataques. • Quando a escravidão foi abolida em lei, os quilombos permaneceram como espaço de manutenção da vida e como resistência dos afrodescendentes visto que a sociedade mais ampla era fortemente marcada pelo preconceito e pela discriminação. • Atualmente o Brasil conta com mais de 3.500 Comunidades Quilombolas em todo o seu território. Algumas são conhecidas e tituladas, outras estão em fase de reconhecimento. • Infelizmente o atual executivo federal não demonstra vontade política para contribuir no direito dessas comunidades, assegurado constitucionalmente.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 13 IRMANDADES E CONFRARIAS • Sendo que o contato dos povos negros com o catolicismo deu-se primeiramente através do contato com a escravidão, para os negros, num primeiro momento, escravidão e catolicismo se traduziam em experiências iguais. • As confrarias e irmandades eram uma tradição de católicos brancos. Os leigos eram os principais responsáveis pela organização e vida devota das confrarias e irmandades. Os negros foram inseridos nesta tradição, com as bênçãos da Igreja Católica, com o objetivo de melhor integrá-los na religião. Dentro das condições possíveis, os negros procuraram se organizar nestas instâncias de vida católica. • Não sendo aceitos nas irmandades dos brancos, os homens de cor fundavam suas próprias irmandades: a irmandade de Nossa Senhora do Rosário, dos pretos, fossem eles livres ou escravos, e as irmandades dos homens pardos, quer dizer, dos mestiços, sobretudo mulatos, como a irmandade das Mercês, do Amparo, da Purificação dos Remédios, etc. (REZENDE, 1987, p. 91).

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 14 • Como membro das irmandades o negro adquiria a experiência da liberdade e do respeito. Eram, para os negros, o espaço do apoio e do auxílio que necessitavam. Tinham também o caráter de eliminar as diferenças tribais. “Os laços de união eram a cor, a situação de diáspora, a situação social e a necessidade de uma organização maior. Assim eram constituídas as comunidades de negros” (REIS, 2004, p. 33). • Em termos de sociedade as irmandades coordenavam cartas de alforria, visitas aos presos e proporcionavam o sepultamento dos negros falecidos. Como muitos escravos eram abandonados por ocasião de doença e dificuldades em trabalhar, havia esta preocupação social e religiosa com o final de suas vidas. • Enquanto instituição forte dos tempos da colônia e império era muito difícil combater a escravatura, todavia os processos de resistência ajudaram a dirimir o mal que fazia. A resistência ajudou no processo abolicionista e continuou em tempos posteriores com o objetivo de garantir os direitos dos afro-brasileiros.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 15 A RESILIÊNCIA DOS NEGROS E NEGRAS A partir do que foi oferecido pela fé cristã católica os negros e negras foram encontrando caminhos de sobrevivência e de sustentação da experiência religiosa e cultura de origem africana.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 16 Vemos as seguintes características: • Compreensão do contexto adverso e caminho de autossuperação. • Religião como ponto de ligação entre o passado e o presente. • Religião se reforçou como via de leitura do mundo e da vida. • Força das lideranças femininas sobretudo nos cultos de matriz africana. • Necessidade de seguir um caminho nas condições oferecidas, inclusive na pertença católica. • Trabalhou com a reconstrução da identidade pessoal e coletiva através do referencial simbólico e do espaço sagrado. • Criou pontes entre o catolicismo oficial, popular e o culto de origem. • Compreendeu a pluralidade dos contextos. • Assumiu as estruturas oferecidas pela Igreja e deu a elas o jeito negro de rezar como vimos na constituição das confrarias, irmandades, clubes...

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 17 A IGREJA E A ESCRAVIDÃO O projeto escravagista moderno foi sustentado a partir da cultura cristã. Faltou de parte da Igreja uma orientação mais firme e ampla no enfrentamento ao projeto. Houve algumas manifestações em reação. Por exemplo: • Congresso Internacional de Viena, 1814-1815 - durante o papado de Pio VII, pedia para restituir a liberdade, condenar o comércio ou os maus- -tratos de pessoas escravizadas. • Encíclica In plurimis, 1888 – Nela, o Papa Leão XIII se dirigia aos bispos do Brasil, pedindo-lhes “apoio ao Imperador D. Pedro II e à sua filha, Princesa Isabel”, na luta que travavam pela abolição definitiva da escravidão. • Bula Veritas ipsa, 1537 – Publicada pelo Papa Paulo III condenava a escravidão não somente de indígenas, mas de “todas as demais gentes”, mesmo os não cristãos.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 18 • No passado (e nos tempos atuais) surgiram muitas iniciativas de apoio, reconhecimento e solidariedade à caminhada dos negros em terras brasileiras. • Tais iniciativas estão em sintonia com o compromisso do missionário Pedro Claver, santo que “se fez negro no meio dos negros”. O próprio Zumbi dos Palmares foi acolhido por um padre que o educou até a juventude. • Os Franciscanos do Rio de Janeiro acolhiam escravos idosos impossibilitados de trabalhar para que ao menos tivessem uma morte digna. • Muitos bispos e padres, a seu modo, procuraram ajudar os negros e negras escravizados. Vê-se que a Igreja procurou arrefecer, mesmo sem o questionar de forma incisiva, o impacto do projeto escravagista sobre os negros. As iniciativas de apoio aos negros foram constantes. • O reconhecimento da limitação da ação foi manifesto pelo Papa São João Paulo II em discurso aos afro-americanos durante a IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho realizada em Santo Domingo (1992): “De todos é conhecida a gravíssima injustiça cometidas contra aquelas populações negras do continente Africanos, que foram arrancadas com violência das suas terras, das suas culturas e das suas tradições e trazidas como escravos para as Américas (...) foram vitimas deste vergonhoso comércio do qual tomaram parte pessoas batizadas, que não viveram sua fé.”

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 19 A PARTIR DAS CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS Com o passar do tempo, mas não sem dificuldades, os afro-brasileiros foram seguindo a caminhada na Igreja. Todavia, algumas iniciativas foram importantes na aproximação mais decisiva da Igreja com os negros e negras brasileiros. O Concílio Vaticano II, seguido das Conferências Episcopais Latino-americanas, permitiu que a Igreja fosse aos poucos abrindo as possibilidades de proximidade com a população negra. Este diálogo foi construído processualmente e não sem dificuldades. Aqui entrou novamente a criatividade de muitos “santos ao pé da porta” (GetE, n. 7) que olharam além do seu tempo e buscaram superar as dificuldades impostas.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 20 Muitos bispos acolheram jovens nas casas episcopais e lhes deram formação até que se tornassem padres. Pe. Victor (Francisco de Paula Victor 18271905), em processo de beatificação, só entrou no Seminário pela pressão da sua madrinha. Ainda hoje é difícil para uma jovem vocação negra manter-se nas casas de formação. O Concílio Vaticano II potencializou a possibilidade da inserção dos negros e negras em espaços de decisão. As cinco Conferências foram gradativamente reconhecendo o processo. A presença nos espaços oficiais de decisão foi importante para avançar.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 21 MEDELLÍN 1968 • Revela uma mudança na forma de ler a atuação da Igreja no Continente. • Não havia ainda um direcionamento, um olhar voltado para a realidade do negro, dos afro-americanos. Os negros eram colocados no mesmo patamar dos outros pobres latino-americanos. • A luta dos negros por igualdade de direitos e condições de vida já era uma realidade e a Conferência de Medellín não assimilou este clamor de corte étnico nas suas reflexões.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 22 PUEBLA 1979 • A Conferência de Puebla confirma, de forma geral, a Conferência de Medellín. • Sugere, de modo propositivo, a opção pelos pobres, contudo com pouca interlocução com a realidade dos afro-americanos. • Considera a realidade dos negros quando apresenta as feições concretas dos sofredores nas quais se deveria reconhecer as feições sofredoras de Cristo: feições de indígenas e, com frequência, também de afro-americanos, que, vivendo segregados e em situações desumanas, podem ser considerados como os mais pobres dentre os pobres (cf. DP 34).

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 23 SANTO DOMINGO 1992 • Santo Domingo aconteceu em vista da proposta da nova evangelização. • Destaca-se a fala de São João Paulo II reconhecendo o pecado cometido em relação aos negros. “Como hão de esquecer os enormes sofrimentos infligidos, como menosprezo dos mais elementares direitos humanos, às populações deportadas do continente africano? Como se hão de esquecer as vidas humanas destruídas pela escravidão? Deve ser confessado, com toda a verdade e humildade, este pecado do homem contra o homem” • De forma mais propositiva e direta em relação aos outros textos o Documento de Santo Domingo propõe algumas linhas pastorais em diálogo com a cultura afro-americana.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 24 1. Acompanhar as legítimas aspirações em busca de uma vida mais justa e digna para todos; 2. Apoiar a defesa da identidade e o reconhecimento de seus próprios valores; 3. Ajudar a manter vivos os usos e costumes compatíveis com a doutrina cristã; 4. Dedicar especial atenção à causa das comunidades afro-americanas no campo pastoral, favorecendo a manifestação das expressões religiosas próprias de suas culturas; 5. Impulsionar a vigência dos direitos humanos dos indígenas e afro-americanos; 6. Rever os sistemas educacionais para eliminar todo o aspecto discriminatório; 7. Fazer o possível para que se garanta aos indígenas e afro-americanos uma educação adequada às suas culturas. 8. Cuidar para que a pastoral juvenil atue com relevância nos meios específicos dentre os quais a cultura afro-americana. 9. Aprofundar o diálogo com as religiões não cristãs, particularmente as indígenas e afro-americanas, durante muito tempo ignoradas ou marginalizadas. A Conferência de Santo Domingo permitiu uma visibilidade maior dos negros na caminhada da Igreja, fato que as outras Conferências Episcopais não evidenciaram.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 25 APARECIDA 2007 • Aconteceu em 2007 já sob o pontificado de Bento XVI. • Foi marcante a articulação entre os vários setores da Igreja que estiveram presentes na cidade de Aparecida. • Havia a Conferencia Oficial e também os eventos paralelos, extremamente significativos. • O Documento Final da Conferência acolheu toda a diversidade de propostas.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 26 A Igreja defende os autênticos valores culturais de todos os povos, especialmente dos oprimidos, indefesos e marginalizados, diante da força avassaladora das estruturas de pecado manifestas na sociedade moderna. Conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora da Igreja. Que nos acompanhe aí o testemunho de São Pedro Claver (DAp 532).

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 27 A Igreja, com a sua pregação, vida sacramental e pastoral, precisará ajudar para que as feridas culturais injustamente sofridas na história dos afro-americanos, não absorvam nem paralisem, a partir do seu interior, o dinamismo de sua personalidade humana, de sua identidade étnica, de sua memória cultural, de seu desenvolvimento social nos novos cenários que se apresentam (DAp 533). • O Documento de Aparecida orienta para o caminho do respeito, consideração e valorização da história do povo negro. Dentre as culturas que caracterizam o continente latino-americano e caribenho, a cultura de origem africana recebe uma atenção especial. • São 16 menções aos afro-americanos, algumas extremamente substanciosas e propositivas.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 28 APARECIDA - INICIATIVAS • Estimular a participação na vida eclesial - item sugerido por diferentes indicativos no texto da Conferência; • Aprofundar o processo de inculturação; • Promover mais vocações e os ministérios ordenados procedentes das culturas indígenas e afro-americanas, confirmando de Santo Domingo e buscando sanar uma lacuna histórica; • Conhecer e defender os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos; • Entrar em diálogo fraterno e respeitoso com os afro-americanos, passo importante para a missão evangelizadora da Igreja; • Denunciar a prática de discriminação e racismo em suas mais diferentes expressões, ato que ofende o mais profundo da dignidade humana.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 29 INICIATIVAS • Solidariedade na reivindicação pela defesa dos territórios, na afirmação de seus direitos, na cidadania, nos projetos próprios de desenvolvimento da consciência da negritude; • Apoio ao diálogo entre a cultura negra e a fé cristã e suas lutas pela justiça social – incentiva a participação nas pastorais das Igrejas e na sociedade; • O caminho de ocupação de espaços é muito importante, começa na base e se estende por outros espaços; • É necessário consolidar esta presença ampliando e diversificando a participação. É uma opção metodológica; • Em nível de América Latina tem-se as Conferências Episcopais como lugares que referenciam compromisso da Igreja com os negros e negras.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 30 Campanha da Fraternidade de 1988: “A Fraternidade e o Negro – ouvi o clamor deste povo”

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 31 Em nível de Brasil a consolidação se dá pelo trabalho de base, a partir das comunidades. O Documento de estudos número 85, da CNBB, publicado em 2002, sobre a pastoral afro-brasileira, foi uma referência significativa. • Reconhece-se os anos de luta dos negros e negras nas bases da Igreja, a partir das comunidades e paróquias. • Antes que a pastoral-afro ganhasse visibilidade já existia um trabalho de base com formulações diferenciadas dependendo da região. • Existia também a articulação em nível de sociedade (Movimento Negro Unificado). • Com o tempo foi assumindo uma configuração mais organizada. Pastoral afro-brasileira

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 32 AGENTES DE PASTORAL NEGROS Perfil ecumênico e inter-religioso Articulações A pastoral afro-brasileira articula-se em diferentes iniciativas e com diversos aliados em vista da ação evangelizadora dialogante com a vida dos afro-brasileiros.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 33 GRUPO DE RELIGIOSOS E RELIGIOSAS NEGROS E INDÍGENAS – GRENI Diz respeito à vida consagrada

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 34 ARTICULAÇÃO DE BISPOS, PRESBÍTEROS E DIÁCONOS NEGROS – INSTITUTO MARIAMA

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 35 CONGRESSO NACIONAL DAS ENTIDADES NEGRAS CATÓLICAS

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 36 DESAFIOS • Fomentar e fortalecer os grupos de base nas comunidades. O melhor caminho da evangelização é o compromisso missionário dos negros e negras que assumem seu compromisso de batizados. • Incentivar a solidariedade e o diálogo com as instâncias da sociedade civil que representam o povo negro e outros grupos solidários que lutam e se comprometem com a causa dos afro-brasileiros. • Vivenciar a liturgia das comunidades com espírito cristão e evangelizador. A liturgia é sempre de louvor, oração e celebração da vida. • Incentivar as vocações sacerdotais e religiosas e outros ministérios leigos que acenam para uma perspectiva mais diversa de vida eclesial . • Desenvolver e organizar métodos, que vão ao encontro do povo, um jeito, um caminho para trabalharmos de forma mais assertivas.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 37 METODOLOGIA Alguns avanços e olhares da organização e articulação da PAB: • Encontros bimestrais e assembleias semestrais para formação e capacitação dos agentes de pastoral negros; • Inserção, articulação e integração crescente com outras ações eclesiais em diálogo com as comunidades; • Ter ações combinadas, no sentido de concretizar o espírito de uma pastoral “orgânica e de conjunto”; • Diálogo com as forças eclesiais e sociais nas diferentes instâncias. Transformação a partir da relação com outras pastorais; • Ousadia na proposição, humildade no diálogo, persistência no processo; • A pastoral afro tem uma palavra consistente a ser ouvida por toda a Igreja; • Curso de formação e capacitação da Pastoral Afro-brasileira.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 38 Nossa caminhada na atualidade A Pastoral afro-brasileira tem, nos últimos anos, intensificado sua missão profética, haja visto o crescimento da pobreza, da fome e do desemprego, no qual nossos negros(as) tem sido o alvo principal nesta Pandemia 2020/2021. Constantemente temos presenciado nosso povo à margem da sociedade sofrendo, mas sempre lutando por um lugar ao sol. Para isto são necessários o encontro, as formações, as capacitações, as parcerias e o dialogo mesmo em tempos tão difíceis e distantes. “Nossos passos vêm de longe”

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 39 CURSO DA PASTORAL AFRO O objetivo é oportunizar espaços de formação teológico-pastoral de comunidades, movimentos, pastorais e pessoas interessadas em uma “Pastoral Afro-Brasileira” em vista do conhecimento da sua missão, amadurecimento e preparo para o agir nos diferentes setores da Igreja e da sociedade. • Oferecer oportunidades para os agentes de pastoral interessados em refletir sobre a realidade e história dos negros e das negras no nosso pais e no mundo. • Incentivar a leitura, o estudo e o debate a partir dos documentos eclesiais concernentes à missão da pastoral afro-brasileira para manter viva a esperança (1Pd 3,15), principalmente neste tempo de retrocesso social e conflitos eclesiais, sociais e étnicos. • Refletir sobre as grandes questões teológicas e metodológicas ligadas à missão da Igreja, tendo em vista uma ‘pastoral afro-brasileira’ do nosso tempo para crescer na fé e testemunhar o ser cristão na sociedade.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 40 Minha gente! Cristina Oliveira Desde que o mundo é mundo minha gente andava por aqui. Dançava, rezava, cantava pra todos os santos ouvir... O sinhô, doutô, colonizadô, aquele lá da casa grande que teve a perversidade de maltratar e escravizar minha gente. Mas o meu povo resistente cantava, dançava e rezava pra todos os santos ouvir... Veio os séculos dos séculos sem fim minha gente empobrecida, sem emprego, com fome e sem vida, lutava, jongava, chorava e morria. Mas cantava, dançava e rezava pra todos os santos ouvir...E (re) existia... E inté nos dias de hoje num veio a libertação somente a enganação. Mas a minha gente luta, canta, reza e sonha com o dia que vai chegar o Quilombo da Esperança que vai trazer a alegria, o Jongo, a reza e a dança. A povaria toda reunida aos pés da ave Maria. Cantando, dançando e rezando pra todos os santos do dia.

A EVANGELIZAÇÃO E O POVO NEGRO 41 COORDENADORES DO TRABALHO Cristina Silveira de Oliveira - Pós-graduada em Escolas Restaurativas com enfoque em Direitos humanos - Coordenadora da Pastoral Afro-brasileira no estado do Paraná. Atuante na área educacional e no Conselho da Igualdade Étnico Racial da cidade de Curitiba/Paraná. Pe. Ari Antônio dos Reis - Presbítero da Arquidiocese de Passo Fundo; Graduado em Filosofia; Bacharel em Teologia; Pós-graduado em Epistemologia Filosófica; Mestre em Teologia Pastoral; Coordenador do Grupo de Pesquisa Teologia e Negritude da Itepa Faculdades. Joelmar de Souza - Graduado e Pós-graduado em Filosofia; Bacharel em Teologia; Integrante do Grupo de Pesquisa Teologia e Negritude da Itepa Faculdades.

SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 4 42 REFERÊNCIAS AZZI, Riolando. Teologia católica na formação da sociedade colonial brasileira. Petrópolis: Vozes, 2005. CHIAVENATO, Júlio José. O negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986. CELAM. Conclusões de Medellín. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1975. CELAM. Puebla. A evangelização no presente e no futuro da América Latina. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. CELAM. Conclusões de Santo Domingo. São Paulo: Paulinas, 1994. CELAM. Documento de Aparecida: Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho. Brasília: Edições CNBB, 2007. CNBB. Ouvi o clamor deste povo. Campanha da Fraternidade. Brasília: CPP, 1988. CNBB. Pastoral Afro-brasileira. 2. ed. Brasília: Edições CNBB, 2020. GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1991. JOAQUIM, Maria Salete. O papel da liderança religiosa feminina na construção da identidade negra. São Paulo: Pallas, 1996. REZENDE, Maria V. Não se pode servir a dois senhores: história da Igreja no Brasil no período colonial. São Paulo: Paulinas, 1987. REIS. Ari Antônio dos. Presença da religiosidade africana no universo religioso brasileiro. Revista CCI, Passo Fundo, RS, ano 21, n. 74, p. 2144, set. 2004.

Casa Leiria O Observatório Nacional de Justiça Socioambiental – OLMA é um núcleo organizador de instituições e iniciativas em rede focadas em temáticas comuns ligadas à “promoção da justiça socioambiental da rede jesuíta”. Criado pela Província dos Jesuítas do Brasil – BRA para observar em profundidade as grandes questões emergentes da realidade conflitiva e contraditória, em vários âmbitos e territórios, se propõe a desenvolver ações de documentação, sistematização, reflexão, formação e articulação de forma a colocar em sinergia todo o potencial acumulado na Rede Jesuíta, buscando, sobretudo, uma interlocução contínua com os diversos atores dentro e fora da Igreja.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz