Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde

casa leiria

O processo de produção de todos os volumes do Cadernos do PAAS é intimamente articulado e contingenciado pelo seu contexto, pelos desafios que surgem no cotidiano do serviço escola, pela invenção necessária de novas formas de cuidados, assim como, pelas diversas relações, vínculos e redes constituídas a partir dos diferentes movimentos realizados pelo PAAS. Neste décimo volume não seria diferente. Ao escolher como tema a clínica ampliada, esta publicação abre espaço para um princípio do serviço, constitutivo das formas de cuidado e dos modos de formação em saúde presentes no cotidiano do PAAS. Afirma movimentos na direção da articulação e o diálogo entre diferentes saberes buscando construir a melhor compreensão dos processos de saúde. Mais do que apoiar-se na queixa ou na centralidade da patologia, é um processo que leva em conta as condições de vida, as potencialidades, as vulnerabilidades e os riscos, a trajetória dos usuários, sua relação com os serviços de saúde, com seu território e suas redes de apoio e afeto. Este é objetivo que movimenta este volume do PAAS, colocar a clínica em ampliação, ser espaço de compartilhamento de experiências em deriva desta posição ética de acolher a vida em suas potencialidades no trabalho em ato da assistência em saúde.

Série Cadernos do PAAS | Volume 10 Clínica Ampliada: qualiFicando a produção em saúde

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOS Reitor Prof. Dr. Pe. Sergio Eduardo Mariucci, S. J. Vice-reitor Prof. Dr. Artur Eugênio Jacobus CASA LEIRIA Rua do Parque, 470 93020-270 São Leopoldo-RS Brasil casaleiria@casaleiria.com.br

Série Cadernos do PAAS | Volume 10 casa leiria São leopoldo/rs 2023 Clínica Ampliada: qualiFicando a produção em saúde ORGANIZADORES NELSON EDUARDO ESTAMADO RIVERO ROSANA cECCHINI DE CASTRO DÂMARIS OLIVEIRA DE SANT ANNA DANIELA CANZI SARTORI FRANCIELI DE AZEVEDO SOUZA GABRIELA TAVARES LETICIA FERRAZ NEIS LARA FEIJÓ MAIELE GIRELLI ROSANA CABRAL SOPHIE TRENTIN SODRÉ TAINARA EBERTZ

CLÍNICA AMPLIADA: QUALIFICANDO A PRODUÇÃO EM SAÚDE Editoração: Casa Leiria Capa: Sophie Trentin Sodré Fotografia da capa: Letícia Ferraz Neis Revisão: Comissão Cadernos do PAAS Para citar esta obra (ABNT): RIVERO, N. E. E. et al. Clínica Ampliada: qualificando a produção em saúde. São Leopoldo: Casa Leiria, 2023. (Série Cadernos do PAAS, 10). DOI 10.29327/5323989 Os textos e as imagens são de responsabilidade de seus autores. Ficha catalográfica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973 C641 Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde [recurso eletrônico] / Organização Nelson Eduardo Estamado Rivero...[et. al.] ; Projeto de Atenção Ampliada à Saúde (PAAS), Universidade do Vale do Rio dos Sinos. – São Leopoldo, Casa Leiria, 2023. (Cadernos do PAAS, v.10.). Disponível em: <http://www.guaritadigital.com.br/casa leiria/acervo/serviçosocial/cadernosdopaas/vol10/index.html> ISBN 978-85-9509-098-9 1. Saúde – Estudo e ensino. 2. Projetos de ação social – Saúde. 3. Políticas de saúde. 4. Serviço escola interdisciplinar. 5. Saúde – Formação profissional – Projeto interdisciplinar. 6. Saúde – Clínica ampliada – Interconsulta multiprofissional. I. Rivero, Nelson Eduardo Estamado (Org.). II. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. III. Projeto de Atenção Ampliada à Saúde (PAAS). IV. Série. CDU 214.2

Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde SUMÁRIO Apresentação: Cadernos do PAAS: uma escrita em ato Rosana Cecchini de Castro, Letícia Ferraz Neis e Nelson Eduardo Estamado Rivero .................................................................. 9 Poema Super humano Rafaela Mathias Schardong ........................................................................... 19 Arranjos possíveis na clínica ampliada do Núcleo de Atenção ao Estudante da Unisinos Ruan Carlos Sansone, Denise Dauber Vieira e Angélica da Costa ............... 21 Freud explica? O que a supervisão em psicanálise faz na Clínica Ampliada do PAAS? Permanências e desistências, o que o inconsciente tem para nos dizer? Bruna Oliveira Scheffel, Gabriela Dionisio Ffner, Michele Scheffel Schneider, Natália Fagundes e Rosana Cecchini de Castro ............................................. 33 Grupo Psicoterapêutico em um Centro de Atenção Psicossocial: Lugar de Ser Helena Palavro Basso e Jéssica Prates Ribeiro ............................................... 53 A interconsulta como recurso motriz para a clínica ampliada em um núcleo de atenção à saúde da pessoa idosa no município de São Leopoldo/RS Jeferson Souto Pinheiro, Claudia Foti Pontes e Karina Gomes ........................ 63 Vozes na minha cabeça: loucura ou formas de ressignificar? Caroline Flores Zanin, Helena Palavro Basso e Marina Lagunas ................. 73 Entrevista: a clínica ampliada ou a ampliação da clínica? Entrevistada: Maria de Fátima Bueno Fischer .............................................. 85 Entrevista: clínica ampliada: dos territórios de saúde aos serviços escola Entrevistado: Gustavo Cunha Tenório ........................................................ 103

9 RIVERO, N. E. E. et al. Clínica Ampliada: qualificando a produção em saúde. São Leopoldo: Casa Leiria, 2023. (Série Cadernos do PAAS, 10) Apresentação: Cadernos do PAAS: uma escrita em ato Rosana Cecchini de Castro1 Letícia Ferraz Neis2 Nelson Eduardo Estamado Rivero3 O Cadernos do PAAS chega ao seu décimo volume. Motivos de comemoração? Com certeza! Mas mais do que a celebração de um projeto que se transformou em ato e alcança praticamente uma década de vida, este fato produz outras e diferentes marcações, diversas afecções. Comemorar o décimo volume tem algo de especial, algo que nos remete ao reconhecimento de que conseguimos afirmar e produzir um espaço de fala, de articulação, de encontro, de criação vinculado a um serviço escola que desdobra seu cotidiano entre cuidado e formação. A produção do Cadernos nestes dez volumes, para além de outras coisas, foi testemunho da história... da história do PAAS e suas transformações, de mudanças nas políticas de saúde, do aprofundamento das diferenças e desigualdades sociais, do evento de maior relevância do século XIX até o presente: a pandemia de Covid-19. Talvez mais do que testemunho, o Cadernos e suas páginas, em muito, foram a oportunidade de produção de novos sentidos, foram um lugar de ressignificação de práticas, possibilitando encontros de quem escreve e quem lê com as exigências de um tempo que, de forma muito veloz, demandou de todos nós novos modos de vida. Iniciamos com muita força e entusiasmo, tendo presente o desejo de registrar por escrito a vida que acontecia no serviço. Queríamos 1 Psicóloga; professora dos Cursos de Psicologia Unisinos – São Leopoldo e Porto Alegre. Supervisora e coordenadora do PAAS/Unisinos. 2 Psicóloga, técnica profissional do PAAS/Unisinos. 3 Professor dos Cursos de Psicologia da Unisinos - São Leopoldo e Porto Alegre. Supervisor do PAAS/Unisinos. DOI 10.29327/5323989.1-1

10 Rosana Cecchini de Castro, Letícia Ferraz Neis e Nelson Eduardo Estamado Rivero Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde contar nossa história de modo que ela se perpetuasse traduzindo o dinamismo de um cotidiano que sempre foi inquieto e inventivo em seu fazer. Os desafios e os movimentos em busca de um trabalho que oportunizasse um maior cuidado em saúde à população atendida e uma formação de melhor qualidade aos estagiários das diferentes graduações que atuavam no serviço, proporcionaram os vários capítulos. Também as transformações e criações experimentadas nas concepções, metodologias e atividades do PAAS integraram as produções como capítulos e volumes desses anos de dedicação a esse sonho transformado em realidade que tanto nos orgulha. Em 2015 produzimos duas edições: a primeira delas, com o título Os desafios da Prática Interdisciplinar em um Serviço Escola, constitui-se num volume que trabalhou um dos cinco princípios dos PAAS, a interdisciplinaridade. A partir de uma pequena apresentação do PAAS, foi abordado o Acolhimento Permanente com enfoque no Acolhimento de crianças; os desafios da prática interdisciplinar nas perícias psicológicas; as experiências do grupal: cartografia da criação d(n) o grupo de pré-adolescentes; os desafios do trabalho interdisciplinar (?) na perspectiva grupal; as reflexões sobre a experiência de um trabalho interdisciplinar na composição de um grupo de orientação em saúde para pacientes com Diabetes Mellitus Insulino Requerentes. Ainda foi apresentado um texto de abordagem reflexiva sobre o PAAS sobre Limites e potencialidades no serviço escola – pensando a dimensão política do fazer psi e, para concluir, os usuários trouxeram sua palavra com os resultados da avaliação da satisfação deste serviço de saúde. Na segunda edição dos Cadernos do PAAS, também em 2015, apresentamos um outro princípio do serviço, a grupalidade. Sob o título Grupalidades em um serviço escola: multiplicidades de um fazer cotidiano, trabalhamos a abordagem grupal em diferentes ações e situações. As ampliações que o trabalho com grupos pode promover em um serviço escola; Supervisão em grupo: ensino aprendizagem em psicoterapia. Relato de experiência. Grupo de promoção da saúde de crianças: relato de experiência sobre o trabalho interdisciplinar; os primeiros passos da Oficina de Contos do PAAS. Grupo de Treinamento de Pais: um relato de experiência. Voltamos a trabalhar sobre o Acolhimento Permanente, através do texto Espelho, espelho meu, existe alguém que precise mais de ajuda do que eu? Consta também entrevista sobre a Clínica Comum em Saúde.

Apresentação: Cadernos do PAAS: uma escrita em ato 11 Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde O volume 3, publicado em 2016, chega com uma alegria especial, pois celebra os 20 anos do PAAS. Sob o título Projeto de Atenção Ampliada à Saúde PAAS: 20 anos de desafios e possibilidades, apresentamos uma edição comemorativa, com a participação e toda a equipe. Os estagiários, professores, técnicos e secretaria, alguns dos nossos parceiros, além dos usuários, e profissionais, que estiveram ou estão vivendo este serviço, trazem suas vivências e compõem este volume. No entanto, não descuidamos do objetivo do Cadernos que busca dar espaço e ser um instrumento de comunicação entre o cotidiano de um serviço escola interdisciplinar em saúde com a comunidade em geral, mas nesta edição, os afetos estão ainda mais presentes. Redes foi o tema trazido nos volumes 4 e 5 do Cadernos do PAAS em 2017 e 2018, abordando mais um dos princípios do serviço. A rede, diferente dos modelos estruturais, hierarquizados, propõe um funcionamento apoiado no movimento entre seus “nós” e não uma relação de produção linear. A rede não tem centro ou mesmo hierarquia e somente estará ativa quando seus integrantes a “aquecerem”, produzirem movimentos de criação. Assim, apresenta-se para além de uma forma de organização. A rede alcança um patamar político, ou seja, se apresenta como maneira de pensar as relações, as instituições e as políticas de direitos como a saúde, a educação, a assistência social, entre outras. No PAAS, o conceito de rede faz, inevitavelmente, parte dos princípios que sustentam a prática de cuidado e a proposta de formação em saúde. No volume 4, Redes de Produção em um serviço escola, foram apresentados os textos dos processos de inserção/participação do PAAS na rede. Os desafios do trabalho em redes, num serviço escola da área da saúde; redescobrindo a extensão universitária na Unisinos; Linhas de Cuidado – construindo caminhos; Grupo Canoagem Velocidade: um relato de experiência; os desafios das demandas para atendimento psicológico com jovens institucionalizados; Atenção primária à saúde numa equipe interdisciplinar: um estudo de caso, atendimento em conjunto: prática interdisciplinar envolvendo nutrição e psicologia; rede de apoio entre o PAAS e as escolas de São Leopoldo; rede invisível em um espaço de oficina – do ser professora para um “vir a ser psicóloga”: breves reflexões e ainda A vida humana organizada em redes e em estruturas hierárquicas: considerações sobre paradigmas que as sustentam.

12 Rosana Cecchini de Castro, Letícia Ferraz Neis e Nelson Eduardo Estamado Rivero Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde No volume 5, Redes: Construções coletivas com um serviço escola, retomamos o conceito de rede. Destacamos que é um princípio de produção e organização do PAAS e a intenção de que isso tenha efeitos de horizontalização nas relações internas, entre equipe e com os usuários, nas relações interinstitucionais e intersetoriais; constitui um constante exercício ético como parte de um movimento de afirmação de práticas de cuidado que objetivam um viés democrático e de construção coletiva. Dessa forma, continuar falando sobre redes se fez importante por considerar o momento político em que vivemos no país quando da produção desta obra, em que estão em risco não só concepções de mundo e de organizações mais horizontais, democráticas e humanizadas, mas também a própria democracia participativa. A situação que se coloca no momento exige nos posicionarmos contra o retrocesso nas conquistas alcançadas por uma perspectiva mais humanizada nas práticas de cuidado e de saúde. Retrocesso este que encontra força nos discursos conservadores que não só legitimam, como também incentivam ataques à diferença e aos direitos humanos, o extermínio da população vulnerável e atuam no sentido de revogar direitos importantes e desmontar as políticas públicas através das quais estes se exercem, como o próprio Sistema Único de Saúde (SUS). Sendo assim, o Cadernos do PAAS segue para a sua quinta edição reafirmando a potência do trabalho em rede. O tema da adolescência integra o volume 6, Saúde e cuidado no serviço escola: adolescência presente!, publicado em 2019. Deriva do VIII Seminário Interdisciplinar do PAAS: “Entrelaçando redes para fortalecer o cuidado”, organizado em 2017. A proposta resulta da aproximação com os diferentes segmentos da rede municipal dos quais já participávamos. No evento, os profissionais da rede, se propunham a compreender mais detalhadamente o nosso trabalho, ao mesmo tempo que buscavam soluções para suas demandas. Ao final, identificamos um pedido mais específico, para que pudessem contar conosco para melhor realizar o trabalho junto à grande quantidade de crianças e adolescentes que chegavam aos seus serviços. Numa realidade parecida estávamos nós, do PAAS. A cada novo cadastro, a equipe de Acolhimento, identificava um aumento significativo no número de encaminhamentos de escolas, de diferentes serviços da cidade e mesmo de busca espontânea de familiares e responsáveis pelo atendimento de adolescentes e crianças decorrentes do sofrimento que se encontravam.

Apresentação: Cadernos do PAAS: uma escrita em ato 13 Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde Já havia no serviço ações constituídas de intervenção com crianças e adolescentes, além dos atendimentos individuais e grupais. Nossas relações com Casas de Acolhimento, Escolas, Projetos Sociais, entre outros em função desses cuidados já eram presentes. Mas o VIII Seminário trouxe uma outra dimensão: a intensidade, cumplicidade e a ampliação dos desafios no trabalho com crianças e adolescentes. O compartilhamento das realidades de sofrimento, das dúvidas sobre o que e como fazer, dos esgotamentos e limites instituídos, assim como a alegria e o testemunho da vida presente. Como resultado deste encontro, surge uma questão pulsante para o PAAS: como tomar a adolescência uma meta de trabalho? Optamos, em equipe, para o ano de 2018, acolher a demanda de atendimento aos adolescentes através da ampliação do trabalho, dos estudos e das ações efetuadas com a rede intersetorial de atenção de adolescentes de São Leopoldo. Ampliamos a oferta de grupos psicoterapêuticos e de apoio aos adolescentes e pré-adolescentes. Criamos ações de extensão para formação e construção de estratégias de intervenção na rede de atenção aos adolescentes, para trabalhadores da rede de São Leopoldo, com momentos de estudo para melhor compreender a expressão do sofrimento dos jovens de nosso país, assim como realizamos assessorias no campo da educação. A sexta edição, portanto, não teria como furtar-se a ser um espaço de registro, de articulação e testemunho de vários destes acontecimentos. Se propôs a compor uma linha visível do muito que fez presente a adolescência no PAAS naquele período e que, podemos afirmar, segue até hoje. Ainda relativo ao ano de 2019, consideramos que vale a pena destacar que tivemos a publicação no Boletim Entre SIS de Santa Cruz do Sul, em seu volume 4, número 2, Edição Especial, p. 5-14, de outubro do texto Cadernos do PAAS: a escrita como um dispositivo de produção de redes, escrito por uma estagiária do Estágio Profissional em Psicologia da época e supervisores, originalmente apresentado no 1º Encontro de Serviços Escola, no qual foi premiado, recebendo esta publicação como premiação. Tomando o resumo do artigo, destacamos que o Cadernos do PAAS foi pensado como instrumento de divulgação das ações do serviço, fomento à produção dos acadêmicos e profissionais, estratégia de interdisciplinaridade, articulação entre ação social, graduação e redes do município e, ainda, como modo de ensaiar outra forma de diálogo com a comunidade. Visa contribuir para a ampliação da atenção em saúde, dos investimentos nas práticas da Psico-

14 Rosana Cecchini de Castro, Letícia Ferraz Neis e Nelson Eduardo Estamado Rivero Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde logia, Nutrição e Enfermagem, defendendo uma formação implicada com a prática do cuidado. O processo de produção inicia pela eleição do tema oriundo dos desafios ou das metas que o serviço reconhece como presente no seu cotidiano, seguido da abertura de inscrições de textos, revisão do material, preparação para a publicação e lançamento. Prioriza textos assinados pelos estagiários, mesmo que junto com professores ou técnicos. Ao longo das suas edições foi possível verificar a crescente aproximação das práticas de produção interdisciplinares, o aprofundamento de situações peculiares à proposta do serviço escola e o aumento de visibilidade do serviço e das práticas de saúde ali realizadas. Considera-se que a proposta alcança seus objetivos de apresentar-se como uma estratégia política potente originada desde a academia e seu serviço escola na direção do fortalecimento de uma formação implicada com as práticas de cuidado e o sistema de saúde do nosso Ao longo da pandemia da Covid-19, todos os integrantes do PAAS passaram por situações únicas e pontuais. Uma nova realidade foi criada, uma rede de desa(fios), cada um com seus desdobramentos e possível nó, para que o nosso “nós” pudesse se fortalecer e se reinventar coletivamente. O PAAS viveu um momento de desconexão com sua antiga forma de trabalhar e atuar, para encontrar novas formas de se conectar com aqueles que o compõem e de se reconectar com novas possibilidades de atuação, como um Programa que está em constante reinvenção e em busca de formas de exercer o cuidado em saúde. O Cadernos do PAAS, volume 7, Retratos da pandemia conexões – desconexões & reconexões, trouxe, à tona esta nova realidade, não sem mencionar as dúvidas e incertezas do percurso, os questionamentos que se colocavam e as possibilidades que acabaram surgindo e que viabilizaram um trabalho nunca anteriormente pensado. A edição contou com as entrevistas de Débora Noal e Emerson Merhy. Trouxe também diferentes relatos do trabalho em saúde em sua versão on-line. São experiências que trouxeram à tona uma nova realidade, não sem mencionar as dúvidas e incertezas do percurso, os questionamentos que ainda se colocam e as possibilidades que acabaram surgindo e que viabilizaram um trabalho nunca anteriormente pensado. Entre diferentes links que se tornaram nossa forma de encontro com os usuários e equipe, descobrimos um novo PAAS. A presencialidade muito discutida entre nós mostrou-se como possível. Mesmo que fisicamente distantes, encontramos maneiras de permanecermos

Apresentação: Cadernos do PAAS: uma escrita em ato 15 Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde próximos e trabalhando de forma integrada. Os novos tempos soaram incertos por um longo período, mas a capacidade de reinvenção nos mostrou que grandes desafios que geraram desacomodações e a busca por novos questionamentos e resposta que puderam ter seu registro na edição de 2020 do Cadernos do PAAS, neste momento, on-line. O volume 8 do Cadernos do PAAS, publicado em 2021, foi uma edição comemorativa, celebrou mais um aniversário do serviço. Com o título, 25 anos! (Trans)formações e inspirações do cuidado em saúde, lançamos o olhar para a trajetória do Serviço de Atenção Ampliada à Saúde desde seu princípio em 1996, até os projetos que culminam no formato atual de serviço escola. A escrita permitiu um resgate do que já foi construído, do quanto já se aprendeu, do quanto já praticou no cuidado em saúde, mas também do quanto produzimos de diferenças em nós mesmos nestes últimos semestres. Quando olhamos para os 25 anos de vida, também percebemos as transformações, que sempre foram a marca do serviço, associadas à intensidade e velocidade impostas pelos tempos recentes; quando percebemos que estivemos e estamos, mais do que nunca, “nas nuvens”, nas redes, pulverizados, descentralizados. Houve, nesta edição a narrativa da trajetória iniciada lá no PIPAS, há 25 anos e seu percurso até chegarmos aqui. Depois, lembramos, sucintamente, como atravessamos e fomos atravessados pelo ano de 2020 e seus enormes desafios. Passamos então a compartilhar nosso momento atual, de vertigens e aterrissagens, assim como chegamos ao tema deste nosso volume do Cadernos do PAAS: inspirações e transformações nas formas de cuidado; novamente, movimentos. O volume 9, publicado em 2022, sob o título Estratégias e políticas do acolhimento: experiências de encontro, trabalha o princípio do PAAS que ainda não havia sido trabalhado como temática anteriormente. O presente volume buscou evidenciar o acolhimento como experiência de encontro. Ampliar essa discussão com o objetivo de avançar na implementação do acolhimento nas diferentes práticas de cuidado em saúde, considerando estratégias e políticas. Para tanto, serão compartilhadas experiências significativas nas mais diferentes áreas como formação, práticas em saúde, acolhimento do estudante universitário, avaliação psicológica, saúde da população LGBTQIA+, o papel da fisioterapia no contexto da dor crônica e comportamentos suicidas

16 Rosana Cecchini de Castro, Letícia Ferraz Neis e Nelson Eduardo Estamado Rivero Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde Como é possível perceber, o processo de produção de todos os volumes do Cadernos do PAAS é intimamente articulado e contingenciado pelo seu contexto, pelos desafios que surgem no cotidiano do serviço escola, pela invenção necessária de novas formas de cuidados, assim como pelas diversas relações, vínculos e redes constituídas a partir dos diferentes movimentos realizados pelo PAAS. Além disso, há uma intenção sempre presente de inclusão de novos atores, novos autores e novas formas de expressão. Chegamos assim, ao décimo volume. Para nosso serviço escola, um marco, a materialização de uma vitória: uma coleção de dez volumes, testemunhas de uma década de vida e espaço de afirmação de muitos projetos, encontros, ações, cuidados entre tantos outros. Chegamos ao décimo volume integralizando a proposta do Cadernos de ser palco dos princípios do PAAS tomados através dos seus temas. Chegou a vez da Clínica Ampliada. A clínica ampliada vai na direção da articulação e o diálogo entre diferentes saberes buscando construir a melhor compreensão dos processos de saúde. Mais do que apoiar-se na queixa, é um processo que leva em conta as condições de vida, as potencialidades, as vulnerabilidades e os riscos, levando em conta a trajetória dos usuários, sua relação com os serviços de saúde. Nesse sentido, pensar uma clínica ampliada é desprender-se do olhar médico centrado e do foco na doença, deixando de generalizar sintomas, de apenas prescrever medicamentos e comprovar a hipótese de doenças, para pensar condutas e ações em saúde que podem ser produzidas na relação com os usuários, entendidos agora como sujeitos ativos no seu próprio cuidado. Esta clínica como princípio está presente no PAAS como cuidado e assistência à população e como base para formação dos futuros profissionais de saúde que realizam seu estágio no serviço. Tanto que nos idos de 2010, já resgatado de diferentes formas pelos Cadernos, o PAAS assume em seu nome a condição Atenção Ampliada em Saúde, na substituição à referência às práticas ambulatoriais. Neste sentido, o décimo volume procura revisitar e reafirmar esta escolha, pois traz entre suas páginas uma entrevista com um colega que esteve entre nós, em 2011, ajudando a confirmar e impulsionar a caminhada: Prof. Dr. Gustavo Tenório Cunha que desta vez, sobre o mesmo tema, nos ajuda a atualizar e reafirmar nosso princípio.

Apresentação: Cadernos do PAAS: uma escrita em ato 17 Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde Nosso décimo volume traz o poema Super-Humano, que nos convida a pensar sobre os coletivos e a possibilidade dos “voos”. O texto “Arranjos Possíveis na Clínica Ampliada do Núcleo de Atenção ao Estudante da Unisinos” reflete sobre a clínica ampliada no atendimento aos alunos através de uma equipe multiprofissional composta por profissionais da Educação Inclusiva e Especial, Serviço Social, Pedagogia e Psicologia. Na sequência, o texto “Freud explica? O que a supervisão em psicanálise faz na Clínica Ampliada do PAAS? Permanências e desistências, o que o inconsciente tem para nos dizer?” visa discutir à luz do referencial psicanalítico as continuidades e descontinuidades dos usuários ingressantes na clínica-escola. Em “Grupo Psicoterapêutico em um Centro de Atenção Psicossocial: Lugar de Ser” é apresentado um relato de experiência acerca da condução do grupo psicoterapêutico Trocando Ideias inseridos na realidade de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em uma cidade da Serra Gaúcha. Na escrita “A Interconsulta como Recurso Motriz para a Clínica Ampliada em um Núcleo de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa no Município de São Leopoldo/RS” é destacada a importância da interconsulta multiprofissional como recurso da clínica ampliada para garantia da integralidade da pessoa idosa em um serviço especializado da rede. Já no texto “Vozes na Minha Cabeça: Loucura ou Formas de Ressignificar?” que realizou revisão bibliográfica acerca da prática da psicologia relacionada à saúde coletiva, políticas públicas e clínica ampliada. Por fim, são apresentadas duas entrevistas: uma com a professora Maria de Fátima Fischer e outra com professor Gustavo Tenório, ambos parte da história do PAAS e das discussões que fundamentam a prática da clínica ampliada no serviço. Esperamos que esta edição potencialize o diálogo e a interlocução entre os saberes que constituem uma forma de ampliação da clínica para além dos estereótipos tradicionais. Com isso, desejamos que esta construção sirva para pensarmos e repensarmos nossas práticas de cuidado e qualificarmos nossa produção em saúde. Agradecemos a todos que se envolveram e se envolvem neste projeto, que frutifica nosso saber compartilhado e marca registros importantes sobre nossa história e tudo o que é possível de ser produzido quando nos dedicamos a pensar estratégias de cuidado em saúde. Boa leitura!

19 RIVERO, N. E. E. et al. Clínica Ampliada: qualificando a produção em saúde. São Leopoldo: Casa Leiria, 2023. (Série Cadernos do PAAS, 10) Poema Super humano Ontem um passarinho sussurrou no meu ouvido Cochichou baixinho que tem medo Medo de voar mais uma vez Para a árvore que o chacoalhou e fez cair Entrou na gaiola, fechou-a e ficou Pra não sentir medo, não sentiu nada mais Recebeu visitas do vazio, isolamento, Palpites que ali era mais seguro Mas ontem eu ouvi um passarinho Que sussurrou no meu ouvido, Que cochichou baixinho que tem medo Disse então: ora, passarinho, abre a gaiola, Me permite voar contigo e vamos juntos até lá Alguns dias são ventosos E chacoalham a árvore Essa que pode também te chacoalhar Mas nessa mesma árvore São possíveis canções conjuntas e coletivas Que permitem novos voos Ontem eu escutei um passarinho Que não era passarinho, tem nove vidas E cria super-humanos Através da sensibilidade. Rafaela Mathias Schardong1 1 Assistente Social, residente no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental - Unisinos.

21 RIVERO, N. E. E. et al. Clínica Ampliada: qualificando a produção em saúde. São Leopoldo: Casa Leiria, 2023. (Série Cadernos do PAAS, 10) Arranjos possíveis na clínica ampliada do Núcleo de Atenção ao Estudante da Unisinos Ruan Carlos Sansone1 Denise Dauber Vieira2 Angélica da Costa3 Resumo: Este artigo busca apresentar a clínica ampliada como forma de atuação no Núcleo de Atenção ao Estudante (NAE) através dos arranjos possíveis de um trabalho multiprofissional, com enfoque interdisciplinar, composto por profissionais de Educação Inclusiva e Especial, Serviço Social, Pedagogia e Psicologia. O relato tem como objetivo socializar os serviços oferecidos para estudantes que possam encontrar dificuldades no processo de escrita. Bem como, demonstrar a importância de uma equipe com olhar inclusivo atento para a Diversidade e as Especificidades de cada sujeito, que faz do NAE um local de acolhimento para situações múltiplas conflituosas, dando atenção às multiplicidades das relações de poder, aos conflitos e às suas dispersões que podem surgir no processo de escrita dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), Teses, Dissertações e Projetos Finais, que por vezes podem resultar em adoecimento, abandono e fracasso escolar dos estudantes. Palavras-chave: Clínica ampliada. Arranjos. Diversidade estudantil. Dificuldade de escrita. 1 Pedagogo, da Universidade do Vale do Rios dos Sinos - Unisinos, Orientador Educacional, Especialista em Educação Inclusiva e Especial, NAE Unisinos. E-mail: ruansr@unisinos.br. 2 Psicóloga da Universidade do Vale do Rios dos Sinos - Unisinos, Especialista em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica. E-mail: deni@unisinos.br. 3 Assistente Social da Universidade do Vale do Rios dos Sinos - Unisinos, Especialista em Terapia de Casal e Família, Educação Inclusiva e Especial e Intervenções em Situações de Luto. E-mail: angelcosta@unisinos.br. DOI 10.29327/5323989.1-2

22 Ruan Carlos Sansone, Denise Dauber Vieira e Angélica da Costa Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde A inclusão como agente provocador para o acolhimento O local no qual escolhemos como objetivo empírico de análise para apresentar as experiências relatadas no presente artigo é o Núcleo de Atenção ao Estudante (NAE), que integra a Gerência de Marketing e Relacionamento na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O NAE, constitui-se como um espaço de atenção, acolhimento, orientação e atendimento às demandas dos estudantes da graduação e pós-graduação, baseada no olhar proposto pelo conceito de clínica ampliada, através das diferentes perspectivas de uma equipe multiprofissional, com enfoque interdisciplinar. A equipe do NAE é composta por uma Assistente Social, um Pedagogo, uma acadêmica estagiária de Pedagogia, uma Auxiliar Administrativo, com graduação em Gestão de Recursos Humanos, uma Psicóloga e dois acadêmicos estagiários de Psicologia, disponíveis para o atendimento dos estudantes da Unisinos. Atua na construção de redes de atenção e acompanhamento e de apoio aos estudantes, mobilizando, envolvendo e criando arranjos que envolvem a coordenação de curso, corpo docente, familiares e rede de atendimento externo nos processos de aprendizagem, no que tange à acessibilidade, dificuldades organizacionais, emocionais e de aprendizagem, a fim de auxiliar no desempenho acadêmico dos estudantes (FIALHO et al., 2017). A partir do conceito de clínica ampliada, o NAE busca “se constituir numa ferramenta de articulação e inclusão dos diferentes enfoques e disciplinas.” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009). A clínica ampliada possibilita o trabalho multiprofissional, mas com saberes interdisciplinares, consequentemente, transcendendo a importância aos sinais de sintomas para importar-se também com as dimensões subjetivas e sociais do usuário (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009). De tal modo, a Diversidade Estudantil é uma realidade presente na sociedade e latente nas Instituições de Ensino Superior (IES), que a partir do Programa Incluir (2005), propiciou a criação dos Núcleos de Apoio aos Discentes nas Universidades Públicas e Federais, na realização de ações articuladas entre os diferentes órgãos e departamentos para a implementação da política de acessibilidade e efetivação das relações de ensino, pesquisa e extensão. Ações como a do Pro-

Arranjos possíveis na clínica ampliada do Núcleo de Atenção ao Estudante da Unisinos 23 Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde grama Incluir4, provocaram investimentos de acessibilidade e inclusão em todas as IES5, não somente nas Públicas e Federais com “ações que buscam garantir o acesso e permanência de todos no sistema de ensino, já que a educação inclusiva assume espaço central na quebra da lógica da exclusão” (THOMA; KRAEMER, 2017, p. 198). O que evidenciou um olhar ampliado além de ações exclusivas para as pessoas com Necessidades Educativas Especiais (NEE), mas propiciou um trabalho voltado para a Diversidade de cada estudante, em suas especificidades e singularidades no ambiente educacional em busca de acolhimento, respeito e equidade (MOREIRA; BOLSANELLO; SEGER, 2021). Importante, destacar que entendemos a Diversidade como a representação de pessoas com afiliações grupais em um sistema social (BERNSTEIN et al., 2020), no qual nos propomos apresentar as problematizações implicadas para alguns estudantes que apresentam suas especificidades como seres únicos (SALES, 2022), no recorte das problematizações pedagógicas, sociais e psicológicas que se apresentam durante o período de escrita dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), Teses e Dissertações, Projetos Finais de curso dos estudantes acompanhados e atendidos pelo NAE. Situações o que se apresentam no processo de escrita A universidade como instituição social é caracterizada pela pluralidade de pensamentos, constitui-se como um espaço propício para conflitos das mais variadas formas e fontes. Assim, o NAE torna-se 4 O Programa Incluir — acessibilidade na educação superior é executado por meio da parceria entre a Secretaria de Educação Superior - Sesu e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - Secadi. No período de 2005 a 2011, o Programa Incluir, efetivou-se por meio de chamadas públicas concorrenciais, que, naquele momento, significaram o início da formulação de estratégias para identificação das barreiras ao acesso das pessoas com deficiência à educação superior. A partir de 2012, ele foi ampliado atendendo todas as IFES, induzindo, assim, o desenvolvimento de uma Política de Acessibilidade ampla e articulada” BRASIL. Documento orientador Programa Incluir - acessibilidade na educação superior. Secadi / Sesu - 2013. 5 Cabe ressaltar, que o Núcleo de Atenção ao Estudante da Universidade do Vale do Rios dos Sinos foi criado no ano de 1998, com o nome de Serviço de Atenção ao Acadêmico (SAAC), durante os anos de 2010 até 2020 atuava com a nomenclatura de Núcleo de Assistência Estudantil (NAE). Em 2020 foi instituído a criação do Núcleo de Atenção ao Estudante (NAE), conforme sua atuação vigente.

24 Ruan Carlos Sansone, Denise Dauber Vieira e Angélica da Costa Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde um espaço potente, com um olhar aguçado, atento para a diversidade dos estudantes, propiciando assim o NAE ser um local de acolhimento para situações múltiplas conflituosas, dando atenção às multiplicidades das relações de poder, aos conflitos e às suas dispersões que podem surgir no processo de escrita dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), Teses, Dissertações e Projetos Finais, que por vezes causam um processo de adoecimento, abandono e fracasso escolar dos estudantes. Como espaço de acolhimento, entende-se a importância da relação estabelecida entre profissional e estudante, pois o vínculo criado fortalece o processo reflexivo do estudante sobre sua jornada na Instituição. É o momento de acolher o usuário, não o problema que o traz. Acolher a pessoa que procura o recurso (dando- -lhe a mão, perguntando algumas primeiras informações, referentes à busca do serviço). É o momento da criação do vínculo, que facilitará o processo interventivo (GIONCO; WUNSCH; FELIZARDO, 2003, p. 19). Segundo, Ernesto Artur Berg (2012), a palavra conflito vem do latim conflictus, que significa um choque entre coisas, entre sujeitos; ou grupos opostos que lutam entre si. Conforme a mediação, e a forma como se organizam as situações, seu desfecho pode responder em alterações e mudanças bem-sucedidas e produtivas ou podem levar ao insucesso e acarretar situações que deterioram os relacionamentos interpessoais e adoecem as pessoas. Cabe ressaltar, que a divergência de pensamento é importante, e está ligada a diversidade, um ambiente mais diverso e plural é composto por diferentes perspectivas do mundo o que corrobora para a autonomia e “são recursos importantes para a geração do pensamento criativo e para a inovação sendo que o respeito pela diversidade cultural atua como um elemento crucial” (OLIVEIRA; RODRIGUEZ, 2004, p. 3837). Atento a isso, um dos serviços disponibilizados aos estudantes, focado nos processos de escrita aqui mencionado, é o Apoio Pedagógico Organizacional para os estudantes matriculados nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), Teses, Dissertações e Projetos Finais, coordenado pelo Pedagogo do NAE com apoio de uma estudante estagiária de Pedagogia. No qual é realizado um trabalho de mediação entre Coordenação de Curso, Professora, Professor Orientador para mapear as expectativas da orientação e do próprio estudante. Após esse

Arranjos possíveis na clínica ampliada do Núcleo de Atenção ao Estudante da Unisinos 25 Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde momento de alinhamento, é trabalhado algumas estratégias de aprendizagem organizacional, sendo uma das mais efetivas o Cronograma de Pesquisa, tratando-se de um documento no qual o estudante cria estratégias que possam efetivar o que dele é desejado e esperado para produção do conhecimento científico, no qual ele descreve cada um dos passos da construção da pesquisa. Na sequência, apresentamos um quadro onde o estudante pode planejar cada uma das tarefas da pesquisa, conforme apresentamos no exemplo utilizado a seguir: Quadro 1 – Cronograma de Pesquisa Fonte: Elaborado pela Pedagogo do NAE, Unisinos, 2023. A partir do que foi planejado e através da utilização do cronograma de pesquisa, o estudante consegue organizar os caminhos teóricos metodológicos da pesquisa, já que este organiza o pensamento, auxilia na rotina de produção escrita, na delimitação e na construção de um objeto e um campo de investigação. Conforme Dagmar Meyer e Marlucy Alves Paraíso (2014): “tudo isso para, então, colocar em funcionamento, de forma sistematizada, a teoria, os conceitos e as estratégias de análise que constituem o que se nomeia como referencial teórico-metodológico”, que corrobora na construção da pesquisa, criando autonomia e propiciando muitas vezes uma sensação de satisfação, tranquilizando e acalmando conflitos externos e internos, pois conforme a pesquisa vai avançando e as metas estipuladas pelo

26 Ruan Carlos Sansone, Denise Dauber Vieira e Angélica da Costa Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde cronograma são alcançadas, maior o sentimento satisfação, autonomia e protagonismo. Na apresentação dos arranjos, existe no NAE um espaço potente, enraizado nas coletividades que é o grupo TCCendo que teve sua primeira edição por volta do ano 2000, passando por reformulações, e surgindo a partir do entendimento de que o estudante no processo de finalização do curso de graduação pode apresentar dificuldades em virtude das exigências dessa etapa de sua formação e conflitos ao se transformar de um estudante para um profissional do mercado de trabalho. Sendo esse um espaço, coletivo e colaborativo para orientação e acompanhamento de grupos de estudantes que estão em situação de estresse, matriculados no Trabalho de Conclusão e Projeto Final. O TCCendo está organizado em encontros semanais onde é apresentado em cada encontro uma temática relacionada ao processo de escrever, incluindo encontros com espaço de fala aberto, para os estudantes se expressarem e partilharem, junto ao grupo, os sentimentos que estão presentes no trabalho de escrita. Nos encontros contemplam atividades com convidados que trabalham sobre pesquisa junto a Base de Dados da Unisinos, Normas da ABNT. O processo de escrita em si com professoras do curso de Letras é um momento bem significativo, onde são trabalhados assuntos como mitos e verdades da banca, quando se tem apenas um olhar de avaliação e não como apresentação da trajetória e da construção do trabalho em conjunto com professor orientador. Escrever é um registro que fica no papel que escreve e inscreve a singularidade de cada sujeito, como um processo de reconhecimento de uma produção que é de sua autoria. Todo esse caminho nem sempre é tranquilo e simples, por este motivo o NAE oportuniza o acompanhamento aos estudantes, ampliando o olhar e a escuta, identificando junto com aluno quais aspectos estão sendo impeditivos para que a sua escrita chegue ao papel como transformador da sua formação acadêmica. Além do grupo, no NAE o estudante recebe o acolhimento de forma individual quando é realizada a primeira escuta da demanda trazida, considerando sua trajetória pessoal e acadêmica e os atravessamentos presentes na trajetória estudantil. Uma das demandas que aparecem com maior frequência nos atendimentos aos estudantes é a dificuldade da escrita. Este momento que acontece essa escrita geral-

Arranjos possíveis na clínica ampliada do Núcleo de Atenção ao Estudante da Unisinos 27 Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde mente está junto ao processo de finalização de uma trajetória acadêmica. Momento este que, por si só, é recheado de anseios pelo que irá acontecer após o término de um curso do ensino superior. Incertezas, porque, em muitos momentos, pensava que não daria conta de compreender e me apropriar de tantos conceitos e teorizações, de aceitar e conseguir (e entender que era necessário) desconstruir tantos “eu sei” ou “é assim, sempre foi assim” (TOMASEL, 2017, p. 75). Conforme, Soraia Tomasel (2017), diz sobre o processo de pesquisar e aqui empregado também ao de escrita, das incertezas e das inseguranças que ele nos faz experimentar. Como um caminho que parece não ter fim, marcado por idas e vindas, por desafios incertezas, nos desacomoda, nos tira de nossa zona de conforto, mexe com nossos sentimentos, nossas certezas, nossas aprendizagens já consolidadas, fazendo nascer dúvidas, curiosidades e angústias (SANSONE, 2020, p. 44). A partir do acolhimento, das incertezas, do “aceitar e conseguir e entender que era necessário desconstruir tantos “eu sei” ou “é assim, sempre foi assim” (TOMASEL, 2017, p. 79), que muitas vezes os estudantes se perguntam. De tal modo, o principal objetivo do NAE, é avaliar, junto a equipe multiprofissional, com enfoque interdisciplinar, em seus diferentes olhares, objetivando as melhores possibilidades de encaminhamento. Assim, oferecemos a possibilidade do estudante de se implicar no seu processo de escrita através dos nossos atendimentos, oficinas e mediações. A clínica ampliada é uma das diretrizes que a Política Nacional de Humanização propõe para qualificar o modo de se fazer saúde. No contexto educacional, podemos pensar que ampliar a clínica é aumentar a autonomia dos estudantes, oportunizando protagonismo no processo de escrita não somente dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), Teses e Dissertações, e Projetos Finais, bem como de outros trabalhos acadêmicos e pesquisas futuras. O trabalho da equipe do NAE, ancorado no conceito de Clínica Ampliada não se encaixa em só um campo disciplinar, ele nos afasta ou desprende do diagnóstico de uma Necessidade Educativa Especial (NEE), temporária ou permanente, vinculada ou não a uma causa orgânica, como por exemplo: Estudantes com Deficiência, Transtornos Globais de Desenvolvimento, Altas Habilidades/Superdotação, dificuldades acentuadas de

28 Ruan Carlos Sansone, Denise Dauber Vieira e Angélica da Costa Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde aprendizagem, dificuldades de comunicação e sinalização, entre outras (SINAES, 2013), ou Dificuldades de Aprendizagem. Arranjos possíveis da Clínica Ampliada no NAE Os arranjos pedagógicos referenciados aqui e constituídos pelas práticas do NAE na Unisinos se refere, toma emprestado, as noções de combinações e de composições para conceituar os movimentos, as ações em rede que visam a convergência de recursos didático-pedagógicos e de acessibilidade e inclusão (PACHECO, 2018, p. 6). Neste momento, apresentam-se possibilidades, assim nos apoiamos na prática do Atendimento Educacional Especializado (AEE), para prever um movimento similar ao de Arranjo Pedagógico (PACHECO, 2018), que se assemelha a Clínica Ampliada Estudantil, na articulação e no diálogo entre diferentes saberes buscando a melhor compreensão dos processos de saúde e adoecimento dos estudantes. A universidade apresenta-se como o centro do conhecimento, sendo responsável pela produção científica, pelas conexões com diferentes áreas do saber, devendo ser também um local da Diversidade e do respeito às diferenças. A atuação do NAE, está ancorada nas estratégias de atenção ao perfil Universitário dos estudantes da Unisinos, no qual o ensino e a avaliação ocorrem através de competências, “avaliação processual que busque estratégias efetivas e diversificadas de acompanhamento do processo de aprendizagem” (UNISINOS, 2008, p. 2), que os estudantes precisam alcançar nas atividades acadêmicas. Esse é o disparador que fez com que pudéssemos pensar em estratégias, arranjos e ações em rede que promovam a adaptação para que os estudantes consigam concluir sua formação. Dentro das Ciências Sociais a rede é considerada como um símbolo da complexidade das relações sociais estabelecidas pelos sujeitos, pois a sociedade é resultado desse “complexo padrão interativo” (CASTELLS, 2003, p. 42). A clínica ampliada se propõe nos afastarmos ou desprendermos do olhar médico centrado e do foco na doença, deixando de generalizar sintomas, de apenas prescrever medicamentos e comprovar a hipótese de doenças, para pensar condutas e ações em saúde integral que podem ser compartilhadas na relação com os usuários, aqui neste

Arranjos possíveis na clínica ampliada do Núcleo de Atenção ao Estudante da Unisinos 29 Cadernos do PAAS, volume 10 - Clínica ampliada: qualificando a produção em saúde contexto os estudantes. Entendidos agora como sujeitos ativos no seu próprio cuidado através de movimentos, ações em rede que visam a convergência de recursos, organizados em prol da viabilidade do processo de ensino aprendizagem dos acadêmicos. A Clínica Ampliada, no contexto educacional propõe não limitar os estudantes às dificuldades acadêmicas que apresentam, mas considerar o contexto de vida no qual o estudante está inserido e perpassam suas dificuldades de aprendizagem. A dificuldade de aprendizagem pode estar relacionada a diversos fatores como: fome, desmotivação, falta de estímulo, conflito familiar, problemas pessoais, que interferem na aprendizagem e prejudicam no desenvolvimento do estudante. De acordo com Campos (1979, p. 33): A aprendizagem envolve o uso e o desenvolvimento de todos os poderes, capacidades, potencialidades do homem, tanto físicas, quanto mentais e afetivas, isto significa que aprendizagem não pode ser considerada somente como um processo de memorização ou que emprega apenas o conjunto das funções mentais ou unicamente os elementos físicos ou emocionais, pois todos estes são aspectos necessários. Através do acolhimento individual realizado no NAE, o estudante é considerado pela sua individualidade e complexidade, os encaminhamentos e ações são pensados em conjunto com o estudante, a efetividade desta interação acontece por meio da escuta, do diálogo entre profissional e estudante. Esse encaminhamento é importante, pois propicia diferentes olhares nas demandas apresentadas. Na mesma situação, pode-se “enxergar” vários aspectos diferentes: patologias orgânicas, correlações de forças na sociedade (econômicas, culturais, étnicas), a situação afetiva, etc., e cada uma delas poderá ser mais ou menos relevante em cada momento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009). Os atendimentos do NAE buscam focar nas potencialidades como ponto de partida, mas sem negar que existam dificuldades, considerando o estudante como protagonista da sua trajetória acadêmica. Esse enfoque tem como objetivo a conquista da autonomia pelo estudante.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz