Instrumentos para efetivação dos Direitos Humanos no Estado Democrático de Direito

INSTRUMENTOS PARA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO MARIZA RIOS NEWTON TEIXEIRA CARVALHO (ORGANIZADORES) Casa Leiria

O Grupo de Iniciação Científica “Instrumentos para Efetivação dos Direitos Humanos” (2020), da Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC), foi instituído, sob a coordenação da Profa. Dra. Mariza Rios e do Prof. Newton Teixeira Carvalho, com o principal objetivo de desenvolver pesquisas e formar pesquisadores por meio de uma abordagem interdisciplinar na discussão de temas relacionados aos direitos humanos. A finalidade é a qualificação e o aprofundamento em questões sensíveis dessa área, a partir de abordagem científica. Deste modo, considera investigações sobre agendas, instituições e promoção/diálogos sobre Direitos Humanos, sob o olhar dos instrumentos de direito internacional e nacional, cruzando fronteiras disciplinares e difundindo o pensar para além das estruturas formais. Além disso, busca encontrar soluções possíveis, tais como o fortalecimento do conceito da cidadania, o incentivo ao protagonismo social de determinados grupos, dentre outros. Tal pesquisa científica se justifica pela necessidade de permitir que existam investigações relacionadas a temas e problemas clássicos e/ou pouco debatidos, bem como intervenções e pesquisas sobre o real e a cotidianidade. Nesse sentido, o presente grupo vem, por meio desta obra, apresentar o resultado da sua pesquisa realizada no ano de 2020, com a finalidade de incentivar, concretamente, o debate sobre a temática dos direitos humanos e a sua efetivação.

Instrumentos para efetivação dos Direitos Humanos no Estado Democrático de Direito MARIZA RIOS NEWTON TEIXEIRA CARVALHO (ORGANIZADORES) CASA LEIRIA São Leopoldo-RS 2022

Ficha catalográfica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973 INSTRUMENTOS PARA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO DOI: https://doi.org/10.29327/559716 Organizadores: Mariza Rios e Newton Teixeira Carvalho Arte da capa: Jean Marie Espiegle. Instagram: @jeanmarieespiegle Editoração: Casa Leiria. Os textos e as imagens são de responsabilidade de seus autores. EDITORA CASA LEIRIA Ana Carolina Einsfeld Mattos Ana Patrícia Sá Martins Antônia Sueli da Silva Gomes Temóteo Glícia Marili Azevedo de Medeiros Tinoco Haide Maria Hupffer Isabel Cristina Arendt José Ivo Follmann Luciana Paulo Gomes Luiz Felipe Barboza Lacerda Márcia Cristina Furtado Ecoten Rosangela Fritsch Tiago Luís Gil CONSELHO EDITORIAL (UFRGS) (Uema) (UERN) (UFRN) (Feevale) (Unisinos) (Unisinos) (Unisinos) (Unicap) (Unisinos) (Unisinos) (UnB)

5 Instrumentos para efetivação dos Direitos Humanos no Estado Democrático de Direito SUMÁRIO 7 Prefácio Johny Fernandes Giffoni 9 Apresentação Mariza Rios e Newton Teixeira Carvalho PARTE I: O PROTAGONISMO SOCIAL COMO FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO DEMOCRÁTICA 17 A importância da palavra juventude e o seu protagonismo social: um estudo de caso em Brumadinho Juliana Froede Peixoto Meira 37 O impacto da aldeia Naô Xohã na defesa e proteção do rio Paraopeba em Minas Gerais Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira 51 Um novo olhar sobre a população em situação de rua: a ótica do protagonismo social Giovanna Rodrigues de Assis 69 Referências II PARTE: A POLÍTICA PÚBLICA DO SUS E DA SEGURANÇA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 79 A Política Pública, SUS, como instrumento de efetivação constitucional do direito à saúde e sua estrutura econômica Rafaela Fátima Magalhães Barros 97 Covid-19 em face do sistema prisional: análise das medidas tomadas pelo Estado para a proteção do encarcerado e possível responsabilidade em face de morte de detentos Gabriel Morais de Souza Santos 115 Impacto do encarceramento em massa na política pública: como enfrentar a política de segurança pública frente ao sistema prisional? Thais Durães Mol 146 Referências

6 Instrumentos para efetivação dos Direitos Humanos no Estado Democrático de Direito III PARTE: AS DIVERSAS FACETAS DO FEMINISMO E AS SUAS DESIGUALDADES 155 Mulheres negras na ocupação de lugares predominantemente brancos Larissa Lauane Rodrigues Vieira 167 Protagonismo das mulheres na administração pública municipal Marcella Fernanda Aparecida Dias 179 Referências IV PARTE: A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA PARA ALÉM DO ESPAÇO NACIONAL 189 A Organização Mundial da Saúde (OMS) como instrumento internacional de promoção e proteção dos Direitos Humanos Caio Cabral Azevedo 205 Os valores do bem-estar social e a pandemia da Covid-19 Kaleandra de Castro Lima 214 Referências 219 Considerações Finais Mariza Rios e Newton Teixeira Carvalho

7 PREFÁCIO Johny Fernandes Giffoni1 Coragem, Alegria, Jovialidade, Inteligência e Empatia são os dons das Autoras e Autores deste livro, que tenho a honra de prefaciar. O ano era 2019, em Minas Gerais, no auditório da Dom Helder onde fui convidado para participar da Semana de Estudos Amazônicos. Depois da palestra algumas e alguns jovens estudantes me “rodearam” e pediram para tirar fotos, senti uma enorme alegria com o carinho e afeto das estudantes e dos estudantes que vieram até mim. Naquele dia, também realizava um sonho, palestrava na mesma mesa que um dos meus maiores mestres, um dos professores que me inspirou a ser o profissional que sou hoje. Então percebi, que saia da posição de aluno, para a posição de inspirar profissionais do Direito. Que missão! Que missão... que desafio, prefaciar esta obra sem correr o risco de desapontar as Autoras e Autores, uma juventude promissora, muit@s que podem estar escrevendo seu primeiro artigo científico, ou não, pois quando participei do SEMEA na Dom Helder pude presenciar os excelentes trabalhos e pôsteres apresentados pel@s autor@s desta obra. Depois da minha participação na SEMEA, fui convidado para realizar alguns vídeos e para participar de um evento do Grupo de Iniciação Científica IPEDH (Instrumentos para a Efetivação dos Direitos no Estado Democrático de Direito). Uma jovem, Rafaela por intermédio da profa. Mariza Rios entrou em contato comigo, me pediu as informações e o vídeo. A Rafa foi uma das jovens que falei que conheci lá no SEMEA. Ela me pediu para seguir o “IPEDH” no Instagram. Até aquele momento eu não tinha muita habilidade com o Instagram, a final de contas, eu segundo as informações faço parte da Geração Millennial. Depois de um tempo a Rafa me envia meu vídeo. Eu só pude dizer uma coisa: “Que massa”! Aquele era o jeito que eu queria 1 Johny Fernandes Giffoni - Doutorando e Mestre em Direitos Humanos pelo Programa de Pós- -Graduação em Direito pela UFPA. Defensor Público do Estado do Pará. Lattes: http://lattes. cnpq.br/9760994288820871

8 Johny Fernandes Giffoni comunicar com a juventude. Foi a primeira vez que minha sobrinha de 16 anos assistiu um vídeo meu sobre Direito e disse que ficou legal. Falar de Direitos Humanos, falar de Direito, para a maioria dos jovens é visto como algo chato, que não atrai a atenção. Assistir palestras, ainda mais em tempo de pandemia, que podemos desligar nossas câmeras e o professor ou palestrante não consegue saber se estamos prestando atenção nele, torna-se um grande desafio. Ufa, que tarefa, que choque de informações, que choque de gerações. O IPEDH me ensinou que podemos falar de assuntos densos, complexos com a leveza e a criatividade própria da “Geração Z”. Não daquela ideia de “Gerações dos Direitos Humanos”, mas sobre a perspectiva histórica dos Direitos Humanos. Olhando para os Direitos Humanos tomando como ponto de partida a realidade de cada um e cada uma das Autoras e Autores dos artigos que aqui estão. Textos que devem ser lidos por todos nós, profissionais ou não. Essa coletânea é escrita por jovens para jovens, de todas as idades e todas as gerações. Cada artigo pretende responder a perguntas conectadas com as “hashtags” com os “logaritmos”, em combater os preconceitos, as doutrinas totalitárias e segregantes. Falam a linguagem do seu tempo. Traduzem seus sentimentos! Um livro que tive a honra de ler, de lembrar das minhas angústias quando era estudante, dos preconceitos que presenciei, das segregações que vivi, das dificuldades que passei e principalmente, dos sonhos que nutro desde daquela época de uma sociedade mais justa e fraterna. Ao mesmo tempo que a presente obra intitulada “Instrumentos para Efetivação dos Direitos Humanos no Estado Democrático de Direito” apresenta- -se enquanto literatura densa sobre os temas aqui tratados, seu conteúdo carrega uma força de “instrumento político” de luta para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Leiam, compartilhem, sigam, comentem! Em especial, transformem suas vidas e das pessoas que estão ao seu redor, como as Autoras e Autores desta linda obra estão transformando.

9 APRESENTAÇÃO Mariza Rios1 Newton Teixeira Carvalho2 DOI: https://doi.org/10.29327/559716.1-1 É sempre com muita satisfação e enorme prazer que apresentamos mais um livro do nosso grupo de pesquisa. Desta vez com a temática: “INSTRUMENTOS PARA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO”, fruto de um ano de pesquisa na Escola Superior Dom Hélder Câmara, esta obra é a demonstração cabal de que podemos, a partir de estudos, contribuir para a materialização dos direitos humanos, que não mais podem ficar apenas em promessas, considerando que não os concretizar é uma mora imperdoável por parte do Estado. É por isso que se discute o nível da democracia, a partir da concretização dos direitos humanos. E um país será tão mais democrático quanto mais observar os direitos humanos. Assim, a preocupação dos jovens pesquisadores que escreveram este livro, estudantes da Escola Superior Dom Helder Câmara, e sob nossa coordenação, com reuniões semanais, foi com os direitos humanos aplicados em diversas dimensões da sociedade e a partir de problemas locais até pensá-los também em termos mundiais, em razão da 1 Doutora em Direito pela Universidade Complutense de Madrid (Espanha) e Mestra em Direito pela Universidade Nacional de Brasília. Professora de Direitos Humanos e Políticas Públicas na Escola Superior Dom Helder Câmara. Professora do Mestrado e Doutorado (PPGD) em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogada. Pesquisadora no campo dos Direitos Humanos Fundamentais e da Jurisdição e Adoção de Políticas Públicas de Desenvolvimento Socioeconômico Sustentável. Associada ao grupo “Global Law comparative group: Economics, Biocentrism innovation and Governance in the Anthropocene World” e membro do grupo de pesquisa “PPGCS – UNISINOS: Transdisciplinaridade, Ecologia Integral e Justiça Socioambiental”. E-mail: riosmariza@yahoo.com.br. Lattes: http://lattes.cnpq. br/3913038205048493. Orcid: http://orcid.org\000-0003-4586-9810 2 Terceiro Vice-Presidente do TJMG. Coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Adequados de Solução de Conflitos e Superintendente da Gestão da Inovação do TJMG. Professor de Processo Civil e Direito de Família da Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-doutorado em Docência e Investigação pelo Instituto Universitário Italiano de Rosario. Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em Teoria do Estado e Direito Constitucional. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7135224852248500

10 Apresentação fraternidade universal almejada por todos nós que pretendemos derrubar muros e demolir fronteiras. Como disse nosso papa Francisco, todos devemos nos preocupar é com a construção de pontes e não de barreiras. Assim é que veio à tona, em um dos capítulos deste livro, o já mediático caso de Brumadinho e a participação dos jovens na ajuda às pessoas daquela cidade, devastada com o rompimento de barragem, em 25/01/2019, com perdas de inúmeras vidas humanas e, também, um dos maiores desastres ambientais da mineração do país, depois do rompimento, pouco tempo antes, da barragem em Mariana, 2015. Era preciso reconstruir a cidade. Fazer algo. Dar ânimos a todos. E os jovens foram de suma importância na recuperação da autoestima de milhares de pessoas, que perderam parentes, que ficaram sem trabalho, sem casa e que precisavam de socorro. Demostrado restou que podemos superar os desencontros de nossas vidas, por piores que sejam, sem, porém, esquecê-los. A perda é sempre difícil, mas até mesmo em homenagem a essas pessoas, que perderam as vidas, necessário é superar e todos hoje são heróis, neste ato de superação. Mas é necessário, lado outro, que acontecimentos como estes não se repitam, pois eles são consequência da ganância na exploração de minérios e omissão do Estado e municípios, ávidos em arrecadar impostos, mas por outro lado, omissos na fiscalização. O rompimento da barragem em Brumadinho acabou danificando várias nascentes de água e rios, inclusive o Rio Paraopeba, bem como prejudicou todas as pessoas lindeiras a esses rios, com destaque para as pequenas tribos indígenas, que devem ser preservadas, em prol de todos nós. Assim, também os indígenas, principalmente da beira do Rio Paraopeba, foi outro assunto importante deste livro. Necessário é respeitar esse povo originário deste país, preservar suas culturas, suas ancestralidades e o direito de continuarem nos locais escolhidos para morada, para a preservação de suas identidades. Respeitar o outro, em suas diferenças, faz parte do viver nesta sociedade supercomplexas, na qual não há mais uma única verdade, uma única moral. Ainda a partir do rompimento da barragem de Brumadinho veio à baila o direito da natureza que, pugna, em um de seus capítulos, pela inclusão da Natureza, como sujeito de direito e traz ao debate a necessidade de se repensar a racionalidade econômica exploratória. Na verdade, mister, urgentemente, é a admissão de uma racionalidade ambiental e a consequente reapropriação social da natureza, conforme proposta de Enrique Leff (2004), no livro Racionalidade Ambiental, a demostrar de maneira cabal, que os princípios dos direitos ambientas foram todos encampados e subjugados pela economia capitalista e hoje eles não passam de falácia, eis que acabam justificando a exploração desenfreada dos finitos recursos naturais.

11 Apresentação E neste repensar a Natureza, como sujeito de direito, urge que o crescimento seja desacelerado. É necessário voltar os olhos para nossos ancestrais, para os indígenas, conforme dito acima, seus modos de vidas e reaprender com eles, sob pena de continuarmos danificando irreversivelmente a natureza e de os princípios do direito ambiental continuarem distantes de uma real proteção do nosso meio ambiente. É necessário, por conseguinte, concretizar os direitos da Natureza, a partir da observância dos princípios ambientais em prol deste nosso mundo, a exigir mudança de postura, e não de apoderar desses princípios com o objetivo malévolo de que as coisas continuem como está. É por isto que neste livro há um capítulo sobre os direitos da Natureza, destacando a importância dos municípios nesta proposta de direitos da natureza mais efetivo, democrático e em preservação da própria natureza, cujos bens a nós fornecidos são finitos e, portanto, devemos preservá-los, com uma necessária desaceleração do desenvolvimento econômico; com menos consumismo; com respeito à natureza. Portanto, é possível fazer algo, basta, para tanto, atitudes. Basta querer. Basta que deixemos de ser egoístas! Outra preocupação nossa e que fez parte de um mais um capítulo deste livro foi com relação às pessoas que vivem nas ruas, sob os olhares omissos de todos nós. É necessária uma proteção maior para essas pessoas. O Estado, principalmente por meio dos municípios, deve ir ao socorro desses nossos irmãos. E nós também não podemos permanecer inerte. É uma situação que demonstra a ausência de solidariedade, de empatia, de todos nós. E demonstra, escancaradamente, a ausência de Estado; demonstra negação de direitos humanos, eis que tais pessoas não têm a assistência mínima por parte do Estado. A existência de população de rua e a inércia do Estado é de uma ilicitude, de uma imoralidade, a demonstrar que estamos falhando e que algo precisa ser feito, em prol dessas pessoas. E socorrer a população de rua não pode ser considerado como despesas, mas sim investimento, tanto para àqueles necessitados como também para com o Estado, que deixa de gastar com hospital, medicamento, com polícia para apuração de possíveis crimes etc, além de demonstração de que estamos diante de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, com a observância dos direitos fundamentais. E necessário oferecer a essas pessoas condições de vida digna com encaminhamento de todos ao posto de saúde, aos hospitais, tratamento psicológico e psiquiátrico. Não podemos continuar omissos e ignorando tal estado de coisa vergonhosa para todos nós, a desprezar a proposta democrática de inclusão não apenas formal, mas material de todos, nesta necessidade de diminuir a pobreza, o mais rapidamente possível.

12 Apresentação Depois, outro problema de importância na atualidade é a questão envolvendo a saúde pública. A presença do Estado, com permissão para internação imediata das pessoas e, além disso, com autorização para a compra de medicamentos, o mais rapidamente possível. Em verdade o SUS – Sistema Único de Saúde – é um grande avanço em se tratando de políticas públicas em prol dos mais necessitados. Entretanto, não está pronto, acabado. Carece de aperfeiçoamento, principalmente com o escopo de evitar a judicialização, eis que não é correto as pessoas terem a doença agravada e até mesmo morrerem na espera de uma autorização judicial. Nem todos conseguem chegar até o judiciário. Depois e considerando que é direito de as pessoas escolherem quem será o legitimado passivo nestas ações de medicamentos, se Município, Estado e União, necessário é que se crie um fundo, em socorro aos municípios mais pobres, quando eles forem condenados a pagar medicamentos ou suportar contas de interação em hospitais, para evitar a quebra desses entes, o que acaba por piorar a situação dos munícipes. E não é o caso, como tem agido alguns juízes, de indeferir a inicial, sob o argumento de incapacidade econômica do município, como também não é da alçada do próprio município escolher, por meio de seus médicos, outro tipo de medicamento mais baratos. Em verdade a responsabilidade pela indicação do medicamento é toda do médico e não é correto presumir que esse profissional da saúde esteja agindo incorretamente. Caso esteja, que o assunto seja devidamente apurado, junto ao Conselho de Medicina e, dependendo do caso, civil e criminalmente. Porém, que a pessoa necessitada não seja prejudicada no direito dela de pronto atendimento. Nesse sentido, e importante recordar que o SUS carece de reparo, para suportar os milhões de brasileiros que não têm condições de fazer um plano de saúde, no ano passado a situação da saúde, neste país, a partir da chegada da Covid-19, piorou, sobremaneira. É que, não obstante alertado pela alta taxa de contaminação e de mortalidade desse vírus, as autoridades brasileiras, a nível federal, a começar pelo próprio Presidente da República, com um declarado negacionismo, acabou por permitir a morte de milhões de pessoas. Hoje, 11/07/21, já passamos de 500 mil pessoas. E a vacina, no esforço hercúleo dos cientistas, apareceu no final do ano de 2020. Entretanto, por negligência da União, não fizemos a compra na hora certa e até agora menos de 40% da população brasileira recebeu apenas a primeira dose. Mas enquanto a vacina ainda não existia, a Covid-19 exigiu de novas posturas dos construtores do direito no Brasil, a começar pela população carcerária, com respeito ao direito de visitas e não desprezando que são pessoas que estão condenadas, mas que preservam todos os demais direitos, não abrangidos pela sentença condenatória.

13 Apresentação Outro enfrentamento de nossa pesquisa foi com relação à população carcerária, problema a demonstrar que existe uma dupla ausência de Estado. A primeira ausência, em não dar igual oportunidade a todos, com estudo, trabalho, enfim, ao deixar de implementar direitos sociais. E, depois, como segunda ausência, ao querer condenar todas as pessoas e pior, na medida do possível, encarcerá-las, como se tal proposta fosse a solução para esse problema. Aliás, tal temática é atualizadíssima, eis que rotularam esses nossos irmãos infortunados de “bandidos” e até cunharam um adágio chulo e popular, numa demonstração de ausência total de Estado, no sentido de que “bandido bom é bandido morto”. Não! A morte de qualquer pessoa não pode ser motivo de júbilo, mas sim de tristeza, eis que novamente há carência de Estado. Há negativa de direitos fundamentais. É desumano pensar desta maneira. É coisificar a pessoa. É a permissão de condenação, sem o devido processo legal. É a introdução, de fato, da pena de morte, por quem antes de tudo tem o dever de cumprir a Constituição! Em síntese, precisamos evitar o encarceramento. Precisamos de políticas públicas. E, a implementação dos direitos humanos, com a presença do Estado fornecendo educação, saúde, trabalho e lazer evitará inúmeros processos criminas. E, para os condenados, que a última solução seja o encarceramento. E, mesmo que encarcerados, que essas pessoas sejam recebidas como seres humanos, em um local adequado, com direito de visitas, inclusive visitas intimas. Com trabalho, com o fim de devolver essas pessoas à sociedade em condições de não voltarem ao mundo crime, eis que vários assim o fazem por falta de opção, de assistência a eles. Também enfrentamos, neste livro escrito democraticamente por várias mãos, o problema das mulheres, de igualdade de gênero, eis que a pouca presença de mulheres no serviço público é algo que chama a atenção. É algo preocupante e demonstra que a sociedade patriarcal ainda continua, não obstante o esforço da Constituição Federal em sepultá-la. O machismo continua preponderando e alguns teimam em insistir neste estado de coisa, a discriminar mulheres e, de forma bastante agressiva, discriminando mais ainda as mulheres negras. E, como sabido, a chegada das mulheres no serviço público e privado veio contribuir para uma melhora da sociedade, com novas ideais, com propostas mais humanizadas e democráticas. O patriarcalismo é autoritário e, portanto, não preocupa com tais coisas, eis que labora com o mandonismo e faz da coisa pública algo particular. Por essa razão, os movimentos feministas ainda precisam de continuar com suas bandeiras e somar forças entre todas as mulheres, em prol da construção de uma sociedade mais justa, mais igualitária e menos

14 Apresentação machista. A implementação de direitos fundamentais exige a igualdade de gênero; exige uma maior participação das mulheres em todos os setores da sociedade. Nota-se, portanto, que este livro, conforme dito no início e como será observado pelo atento leitor, tem a pretensão de contribuir para demonstrar a real necessidade da imediata concretização dos direitos humanos, já previstos na nossa Constituição de 1988 e que, porém, até hoje não foram observados e, além disso, para contribuir na formação de uma cultura mais democrática, certo de que não podemos retroceder em nossas conquistas sociais e jurídicas. Devemos implementar direitos e não os olvidar. Portanto, este livro roga, insiste e quer um Brasil cada vez mais democrático menos autoritário. Um país realmente inclusivo, respeitador das diferenças. Um país verdadeiramente laico, com aplicação da Constituição e sempre diferenciando e cada um agindo em sua específica dimensão o direito da religião e da moral.

PARTE I: O PROTAGONISMO SOCIAL COMO FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO DEMOCRÁTICA

17 A IMPORTÂNCIA DA PALAVRA JUVENTUDE E O SEU PROTAGONISMO SOCIAL: UM ESTUDO DE CASO EM BRUMADINHO Juliana Froede Peixoto Meira1 DOI: https://doi.org/10.29327/559716.1-2 A sutil diferença entre juventude e adolescência A palavra juventude com frequência é utilizada pela sociedade como sinônimo de adolescência e a indiferenciação delas era resguardada, até pouco tempo, pelo judiciário brasileiro. Dessa forma, pela confusão dos cidadãos de não saberem a diferenciação dos termos e pelo âmbito político e judicial brasileiro não se atentarem para as características divergentes dessas faixas etárias houve um problema significativo em formular e resguardar os direitos, as garantias e os deveres para os jovens. Com isso, para demonstrar como a especificação no âmbito social do termo juventude é necessária, a cidade mineira de Brumadinho será utilizada como exemplo. Já que, com as políticas para a juventude e o Conselho Municipal de Juventude (Comjuve) resguardados pelo Estatuto da Juventude (Lei 12.852/13) colocados em prática, paulatinamente pela cidade, demonstram como são essenciais para a especificação efetiva desses sujeitos de direitos. Aliás, a partir disso, percebe-se como é importante escrever sobre a história da conquista dessa lei, pois além de informar a nível de conhecimento, revela grandes repostas sobre o porquê das dificuldades que se têm da juventude e adolescência conseguirem ser ouvidos e terem seus direitos efetivados. Ora, o protagonismo social desse grupo apresenta uma grande possibilidade para a efetivação das políticas públicas para os jovens. Ou seja, 1 Graduanda em Direito, Escola Superior Dom Helder Câmara. Pesquisadora do grupo de iniciação científica Estratégias para o Reconhecimento e Efetivação de Direitos- Humanidade e Natureza (2021) e foi pesquisadora também do grupo IPEDH – Instrumentos para a Efetivação dos Direitos Humanos no Estado Democrático de Direito (2020). E-mail: froede.juliana@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8584320140604597

18 Juliana Froede Peixoto Meira ele torna eficaz aquilo que, infelizmente é defasado pelo próprio Estado, que é tão importante para o Estado Democrático de Direito em que a população brasileira vive, a eficácia dos instrumentos públicos em resguardar os direitos de seus cidadãos, nesse caso, um grupo específico. Assim, a partir de um questionário informal intitulado “Questionário Juventude” feito na plataforma Google Forms especialmente para o presente trabalho, foi desenvolvida uma interpretação das respostas relacionadas a concepção que as pessoas possuem sobre essa faixa etária. Ao todo foram 26 respostas de pessoas entre 14 e 21 anos, um universo pequeno, porém significativo para comprovar a falta de informação em relação ao presente tema. A metodologia escolhida foi a mista, pois focou-se em teoria e em dados, sob a forma explicativa exploratória, pois pretendeu-se desenvolver uma diferenciação das palavras adolescência e juventude no âmbito jurídico em conjunto com a parte quantitativa do referido questionário. Com o estudo da situação da cidade de Brumadinho em relação a aplicação do Estatuto da Juventude é o objetivo demonstrar como é importante a necessidade de eficácia dele para, assim, comentar sobre efetividade das políticas públicas para os jovens, incluindo uma análise histórica com a intenção de explicar o problema, com o método indutivo. Dessa forma, antes de tudo, começando pela análise de conceitos, é interessante se atentar-se para a diferença entre a palavra juventude e adolescência. O jurista, Miguel Reale, em seu livro “Lições Preliminares de Direito”, por diversas vezes demonstrou que as palavras “guardam os segredos de seu significado” Reale (2001, p. 36), dessa forma, nada mais relevante para o começo dessa análise das diferenças da faixa etária da juventude e da adolescência saber o significado que essas palavras escondem. Com isso, a palavra juventude significa “idade moça, mocidade, juvenilidade” Ferreira (2008, p. 500) e adolescência significa “o período da vida humana que começa com a puberdade e se caracteriza por mudanças corporais e psicológicas, estendendo-se, aproximadamente, dos 12 aos 20 anos” Ferreira (2008, p. 296). Com isso, etimologicamente, segundo Guimarães e Grinspun (2008), juventude é derivada de “juvenis” e significa uma pessoa que está em plena força e adolescência deriva de “adulescens” também do latim, que representa pessoa que está em crescimento. Nessa mesma linha, o psiquiatra José Outeiral (2003), definiu que a palavra adolescência, além de representar o processo de desenvolvimento de um sujeito, representa sofrimento emocional e transformações, pois ela também deriva de “adolescer”, que tem como origem a o termo adoecer.

19 A importância da palavra juventude e o seu protagonismo social: um estudo de caso em Brumadinho Diante dessas revelações gramaticais, vemos que jovens e adolescentes possuem uma tênue diferença, bem como refletimos sobre os próprios significados sociais que essas faixas etárias carregam. Ora, o termo adolescente no dicionário Aurélio, possui uma idade demarcada, ou seja, demonstra o reconhecimento da própria população brasileira de que os adolescentes são sujeitos de direitos e que estão em fase de desenvolvimento, em consonância com a Lei nº 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado em 13 de julho de 1990. Já o termo juventude, no mesmo dicionário, não demonstra qualquer menção de uma idade específica, apenas refere-se como uma fase de mocidade. Portanto, evidencia-se, um não reconhecimento dessa fase como ciclo da vida. A partir desse panorama, é necessário, entender como surgiu a adolescência e a juventude. Para Bourdieu (1978), essas faixas etárias são frutos da sociedade, existindo uma relação entre idade social e idade biológica. Assim, a idade biológica é manipulada pelo corpo social, pois em cada classe social existem costumes diferentes que guiam as características dessas faixas etárias e, por isso, homogeneizar os interesses de uma certa idade e transformá-los em um ciclo de vida (a idade social) é um equívoco. Por essa razão, a partir desse pensamento do sociólogo é interessante separar os interesses de uma faixa etária muito abrangente, como ocorre na adolescência, tendo diferença entre ela e a juventude, pois as vivências são diferentes. O conceito de adolescência é relativamente novo, para Ferreira, Farias e Silvares (2010) essa fase da vida sempre esteve presente na história e se manifestava de formas diferentes, porém não se delimitava um significado uno para ela. Porém, percebe-se algumas características comuns em toda história sobre essa fase, caracterizando-a como ciclo de amadurecimento biológico e de inconstâncias. Na Antiguidade Clássica, Platão refere-se a eles como guiados pela paixão e Aristóteles refere-se como impulsivos e questionadores, características que se repetem nos dias atuais e que o psicólogo Stanley Hall, o primeiro a escrever sobre ela como fase importante para o desenvolvimento humano, em 1904, preocupou-se em colocar em sua obra, como uma idade “dramática e tormentosa” (ABRAMO, 2005, p. 11). Por meio dessa característica comum em várias etapas históricas, a adolescência foi marcada, muitas das vezes pela sociedade como uma fase de rebeldia, o que prejudicou a sua credibilidade perante o social e o político em relação às suas reivindicações serem ouvidas. No Brasil, a conceituação do adolescente como uma faixa etária que necessita de uma tutela por parte de todos e também de direitos e garantias surge com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse Estatuto foi um marco, justamente pelo

20 Juliana Froede Peixoto Meira reconhecimento do que é ser adolescente, caracterizado como aqueles entre 12 e 18 anos, em consonância com as disposições da Convenção Sobre os Direitos da Criança, feita pela ONU em 1989 e ratificada pelo Estado brasileiro. Dessa forma, infere-se um conceito muita mais visível dessa fase, já que o Direito molda todo um pensamento social sendo para Reale (2001), uma estrutura que contém um juízo de valor e uma sanção, sendo que essa última não precisa ser posta de forma completamente ameaçadora, já que o juízo de valor a emite de forma independentemente. Assim, quando o artigo 6º do ECA, dispõe que “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.” (BRASIL, 1990), emite-se para toda a sociedade um dos conceitos marcantes da adolescência: uma fase de desenvolvimento. Nessa linha de raciocínio, Abramo (2005) define adolescência como uma fase de preparação para a vida adulta e que o trabalho seria apenas uma forma de aprendizagem, além de que eles possuem uma cidadania ativa. Essa definição, evidencia a mudança de pensamento em relação a essa fase, já que de início ela era apenas um ciclo perturbador e inconstante do ser humano, constantemente associado a violência. Por isso, a institucionalização do termo, a definição de uma faixa etária (apesar de ela perpetuar toda uma relação de poder entre os mais velhos e os mais novos) e a programática de como a sociedade deve agir diante deles por meio da Lei é importante para eficácia dos seus direitos, pois ganha reconhecimento. Por sua vez, a juventude confunde-se com essa fase, e sempre se confundiu, principalmente porque não existia até 2013, uma lei no Brasil que definisse o que são os jovens. Essa faixa etária consegue ser mais nova que a adolescência e possuiu maior visibilidade quando a Organização da Nações Unidas, em 1985, em sua Assembleia Geral, para o Ano Internacional da Juventude, adotou como essa faixa etária pessoas entre quinze e vinte quatro anos. A partir dessa definição, o conceito de o que é ser jovem começou a ser difundido no mundo, mas ele ainda é turvo no âmbito social. Destaca-se aqui que esse ciclo surgiu devido às mudanças socioculturais da sociedade capitalista do século XX., que propiciou o aumento do tempo escolar, e por isso, um atraso de inserção no mercado de trabalho, a maior dependência dos pais e, por fim, a demora na constituição de uma família. Além disso, trata-se muito mais que uma fase de moratória, pois a juventude é diversa, segundo a Secretaria Nacional de Juventude (2014, p.

21 A importância da palavra juventude e o seu protagonismo social: um estudo de caso em Brumadinho 19) “Na juventude evidenciam-se as desigualdades econômicas, disparidades regionais, dicotomias entre campo e cidade, assim como preconceitos e discriminações [...]”, ou seja, ela não pode ser analisada pela sociedade apenas como uma fase de transição, já que não segue uma linearidade devido a sua pluralidade. Diante dessa conceituação, ao analisarmos os dados produzidos pelo Perfil da Juventude Brasileira no ano de 2003, tem-se que a maior diferenciação entre a adolescência e a juventude é a forma como o trabalho é visto nesses ciclos. Na questão dos adolescentes, o emprego, a partir do Capítulo V, Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho do ECA, é analisado como impulsionador ao desenvolvimento daqueles entre 12 e 18 anos, não sendo algo necessário pela legislação brasileira. Já em relação aos jovens, o trabalho deixa de ser algo postergado para se transformar em uma necessidade. Ademais, evidencia também a diversidade dessa faixa, já que aquele que procura trabalho ainda jovem, geralmente, não possuiu as mesmas condições sociais e escolares do que aquele que se preocupa apenas em estudar durante o início da juventude. Com isso, o Questionário Juventude2 montado na plataforma Google Forms, no ano de 2020, contendo cinco perguntas no total: idade do entrevistado, se ele acredita que exista diferenciação entre a palavra juventude e adolescência, se ele sabe sobre o Estatuto da Juventude, se sim, o que ele acha mais interessante sobre ele, quais direitos ele considera que não são colocados em prática para essa faixa etária e o que pode ser feito para mudar isso e, por fim, o que significa protagonismo social para ele, ajudará na compreensão dessa seção. Ora, no total de 26 repostas das pessoas entre 14 e 21 anos, todos sem exceção marcaram que sim, existe diferenciação entre ambas as palavras, contudo 57, 7 % dos entrevistados não sabiam sobre a existência do Estatuto da Juventude. Portanto, é evidenciado que o conceito de adolescência e juventude por vezes se confunde, é inegável que ambas as fases são de desenvolvimento e de aprendizado, porém que, pelo menos, a população mais nova possui o discernimento de diferenciá-los. Mas, será que eles realmente preocupam-se em perceber quais são essas características que fazem com 2 O Questionário Juventude formulado pela autora Juliana Froede Peixoto Meira, teve como objetivo abordar o público de adolescentes e jovens da faixa etária de 12 aos 29 anos, a partir da premissa de que ainda é confuso a diferenciação desses termos e também sobre o desconhecimento da existência do Estatuto da Juventude (Lei 12.852/13). A escolha desse público se deu justamente por estarem vivendo nessa faixa de idade em que a adolescência e juventude se localizam, já que essas problemáticas de não conhecimento do Estatuto e da diferença dos termos ensejam uma falta de conhecimento dos direitos e garantias deles próprios, o que de fato dificulta a emancipação social do grupo para reivindicação desses direitos e garantias, importantes para efetivar o Estado Democrático de Direito.

22 Juliana Froede Peixoto Meira que elas necessitam ser separadas? Já que a Lei 12.852 não é reconhecida pela maioria na pesquisa feita. Essa separação, só se torna eficaz com o reconhecimento jurídico e com o reconhecimento social, o que não é evidenciado no caso da juventude no Brasil. O Estatuto da Juventude O Estatuto da Juventude, Lei nº 12.852, sancionada em 5 de agosto de 2013, assim como o ECA, foi ummarco para a definição de direitos e garantias para essa fase específica da vida. O ordenamento jurídico brasileiro finalmente reconhecia os jovens como sujeitos específicos e delimitava uma faixa etária para eles, considerados com a idade entre 15 e 29 anos. Dessa forma, uma luta que em solo brasileiro começou a ser evidenciada a partir da construção da Constituição Federal de 1988 foi conquistada. Para entender como o Estatuto foi formado e construído, é importante atentar-se para o contexto internacional. No ano de 1985, como já comentado, a ONU o definiu como Ano Internacional da Juventude para que os jovens pudessem ter visibilidade em âmbito internacional e para que políticas em relação a eles pudessem ser criadas, assim, foi feito o Programa Mundial de Ação para a Juventude. Além disso, as inúmeras declarações feitas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, suas conferências, seus resultantes e, por fim, da Convenção sobre os Direitos das Crianças (1990) ajudaram para que essa Lei fosse sancionada. Merece-se destaque o “Programa de Ação da ONU para a Juventude até o Ano 2000 e Além”, de 1995, já que atribuiu aos jovens inúmeros direitos, dentre eles os direitos de instalações adequadas para praticar esportes e terem lazer e que os direitos humanos devem ser aplicados a eles sem distinção e discriminação, sendo que objetivo desse Programa era de que esses direitos permanecessem além do milênio. Por isso, foram estabelecidas diretrizes sobre como as políticas para esse grupo devem ser feitas pelos governos dos Estados, com isso, é importante destacar que o Programa de Ação reconhece que o grupo “juventude” possui uma diversidade, ou seja, reconheceu um grupo minoritário. Outro programa que merece destaque, é o “Agenda 21, Programa de Ação do Cairo e Copenhague”, que ocorreu em 1992 e que, apesar de não ter como tema central a juventude, definiu a importância da participação social dela, em todas as áreas da sociedade, o que reforça a visão de ser uma faixa etária em que se espera que eles sejam os principais fomentadores das mudanças sociais, afinal “são a nova geração”. Por fim, a Convenção sobre os Direitos das Crianças (ONU), apesar de não delimitar a juventude,

23 A importância da palavra juventude e o seu protagonismo social: um estudo de caso em Brumadinho foi de suma importância para especificar as crianças e os adolescentes, portanto, ajudou que essas faixas etárias mais novas fossem vistas como sujeitos de direitos em desenvolvimento. Dessa forma, em âmbito nacional, em 1988, a Assembleia Constituinte se reuniu para redemocratizar o Estado, promulgando a nova Constituição Federal. Essa nova Constituição, contou com uma série de inovações e, também, com a participação de diversos grupos sociais que apontaram suas reivindicações. Nesse contexto, a cidadania contemporânea é instituída no Brasil, segundo Piovesan (2012) ela é composta pelas características de indivisibilidade, universalidade e especificidade. A indivisibilidade significa a não divisão dos direitos civis e políticos dos direitos econômicos, culturais e sociais, já a universalidade evidencia a dignidade como princípio que vale para todos e, por fim, o que interessa o presente artigo, a especificidade. Essa terceira característica da cidadania, remete a especificação dos sujeitos no Estado, eles são evidenciados devido alguns fatores históricos, políticos e sociais que os impediram de alguma forma de alcançar direitos e garantias, sendo que muitas vezes são discriminados. Para isso, a Constituição possui capítulos específicos para cada, como mulheres, indígenas, entre outros. Assim, a partir dessa característica específica, o Brasil “abre portas” para que os jovens possam ser definidos como um grupo específico. Diante do exposto, no ano de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente é sancionado e substitui o “Código de Menores”, criado em 1927, que tratava apenas dos menores em situação irregular, aqueles que cometiam infrações na lei. Esse Código, criava uma confusão em relação aos menores considerados regulares e aqueles considerados irregulares, além de não definir direitos para os menores, sendo apenas descrições de sanções, como forma de punição. Ao passo que o ECA foi sancionado, a fase da adolescência foi definida no Brasil e foi difundida como fase de tutela por parte de todos os cidadãos, assim diretrizes de políticas públicas foram definidas para esse grupo. Por consequência dessas diretrizes de políticas para esse ciclo da vida, começou-se a discutir uma fase que não estava sob a tutela do Estatuto da Criança e do Adolescente, aqueles que possuíam mais de 18 anos. Com isso, paulatinamente, por motivos de necessidade da diferenciação entre jovens e adolescentes explicados na seção anterior, surge ações governamentais para a juventude. Conforme Caetano e Azevedo (2017, p. 11) nasce em 2004, a Comissão Especial de Políticas Públicas de Juventude, que iniciou a deliberação sobre o Estatuto da Juventude.

24 Juliana Froede Peixoto Meira No ano seguinte, são instituídos, por meio da Lei nº 11.129, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), com objetivo articular políticas públicas para eles, o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) como articulador entre governo federal, estadual e entre os municípios, por fim, ainda em 2005, é feita a Política Nacional de Juventude (PNJ) e também o Programa Nacional da Inclusão de Jovens (ProJovem). Já em 2010, foi aprovada a PEC da Juventude (EC nº 65/2010), que altera o nome do capítulo VII, Título VIII da Constituição: “Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso” para “Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso”. Como consequência dessas ações governamentais e também de outros setores, as ONG´S, empresas, partidos políticos, movimentos sociais e grupos juvenis, cada um com sua particularidade para fomentar a juventude como uma faixa etária especificada, o sancionamento do Estatuto da Juventude ocorreu, com os princípios de promoção da emancipação dos jovens e também do bem-estar deles, do respeito diversidade individual, entre outros. Ele possui dois títulos, o primeiro refere-se aos direitos e políticas públicas em que questões como trabalho e diversidade recebem um destaque especial, já o segundo trata sobre o Sistema Nacional de Juventude. A partir do artigo 14º, na seção III, “Do Direito à Profissionalização, ao Trabalho e à Renda”, a atividade laboral recebe um estímulo para ser promovida nessa faixa etária, além de uma criação da linha de créditos para os jovens empreendedores, o que evidencia o reconhecimento que nessa fase há a maior familiarização com o mercado de trabalho. Ademais, nessa mesma seção, há diretrizes para aqueles jovens que vivem em áreas rurais, como o apoio para o empreendimento familiares nessa área, pois muitos nessa faixa etária trabalham no campo para ajudar a família e, geralmente, eram excluídos das políticas governamentais para os jovens, devido ao foco mais urbano. Salienta-se ainda, a seção IV, que trata do “Direito à Diversidade e à Igualdade”, justamente por esse grupo ser caracterizado por diversas divergências em relação a etnia, cultura, origem, entre outros, citados no artigo 17º, incisos I ao III. É acrescentado também a preservação da cultura indígena, por meio de diretrizes curriculares, no inciso IV do artigo 18º. Dessa forma, ao evidenciar essas seções, percebe-se na Lei uma das diferenças mais marcantes entre a juventude e adolescência, explanadas anteriormente, a relação com o trabalho e a diversidade como foco principal. Deste modo, ao analisar os princípios descritos no Estatuto e também algumas seções dele, se pode afirmar que esse grupo conseguiu sua especificação, agora não mais teórica, mas também jurídica. Porém, como afirma Abramo (BRASIL, 2014, p. 122) “Dentro e fora dos governos, os

25 A importância da palavra juventude e o seu protagonismo social: um estudo de caso em Brumadinho jovens ainda não são reconhecidos como ‘sujeitos de direitos’”, ou seja, por mais que a norma traga a definição e o reconhecimento, ela torna-se obsoleta se não é adotada pelas esferas políticas e principalmente, pelas esferas sociais, já que muitos nem possuem o conhecimento do Estatuto da Juventude, relação que pode ser confirmada a partir do Questionário Juventude, que no total 57,7 %, ou seja, 15 pessoas das 26 que responderam não sabiam sobre sua existência. As concepções de juventude e as políticas públicas O conceito de políticas públicas segundo a Secretaria Nacional da Juventude (BRASIL, 2014) seria de ações não só realizadas pelo poder executivo, mas também pelos poderes legislativo e judiciário e que perpassam por diversos níveis de relações da sociedade. Ou seja, essas políticas não dependem apenas do governo para acontecer, geralmente elas são desejos de certos grupos do corpo social que provocam os poderes governamentais para que esses sejam realizados. Por isso, um dos principais focos do Estatuto da Juventude, em seu artigo 3°, é criar políticas públicas para que os direitos dos jovens sejam garantidos, já que a especificação desse grupo condiciona a necessidade de que sejam instituídas tais políticas para o reconhecimento deles por parte da sociedade. Diante desse panorama, essas ações políticas para a juventude brasileira emergiram na metade da década de 1980, principalmente devido à mudança de paradigmas do mundo em geral, com o avanço da tecnologia na 3º Revolução Industrial, e ainda segundo a cartilha do projeto Estação juventude também devido a crise que o mundo e o Brasil enfrentavam. Por meio disso, políticas foram pensadas para o reerguimento da economia e os jovens seriam um modo de ajuda para que ela voltasse a ser estável. Assim, em âmbito nacional, Sposito (2003) demonstra que anterior ao primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), apenas três programas voltados para esse grupo foram feitos e após seus dois mandatos foram instaurados 24 programas. Em vista disso, percebe-se um aumento significativo de políticas para os jovens, por mais que Sposito (2003) afirme que essas ainda eram fragmentadas e não possuíam um foco conceitual. Diante dessa situação, é necessário saber as diversas concepções de juventude na sociedade brasileira, pois elas ajudam de forma significativa entender como as políticas feitas para esse grupo são direcionadas e também perceber que, muitas das vezes, a forma como o governo constrói as diretrizes das políticas públicas reflete no modo como a sociedade pensa sobre a juventude. Assim,

26 Juliana Froede Peixoto Meira Abramo (2005), disserta sobre as concepções de juventude formuladas pela cientista social Dina Krauskopf (2003), sendo elas quatro concepções. A primeira concepção refere-se à juventude como um período de transição e de preparação. Nela, as políticas públicas se voltam principalmente para a educação, ou seja, serão utilizadas políticas pautadas na universalidade, não especificando e não trazendo em voga a juventude com suas diversidades. Assim, essa concepção traz outro problema destacado por Abramo, pois concebe o futuro da juventude como guia para a preparação deles e não os visualiza como sujeitos do presente, além disso, destaca que esse olhar para a juventude como sujeito de formação não ocorre apenas nas políticas feitas pelo Estado, mas sim em praticamente quase todo eixo de programas para esse grupo. Já a segunda concepção, refere-se à juventude problema, como se eles ameaçassem a sociedade com a violência e rebeldia, esse ponto de vista conduz a formação de políticas compensatórias, principalmente nos anos de 1980 e 1990, que apresentavam os jovens como um risco e que suscitou, nas palavras de Sposito (2003, p. 21) “na criação de programas esportivos, culturais e de trabalho orientados para o controle social do tempo livre dos jovens, destinados especialmente aos moradores dos bairros periféricos das grandes cidades brasileiras”. Dessa forma, o estigma da juventude foi moldado, principalmente dos jovens das classes sociais mais baixas, que constantemente, ainda atualmente, são colocados como problemáticos. Ademais, a terceira acepção sobre a juventude à relaciona como impulsora do desenvolvimento da sociedade. A partir dela, o jovem é visto como o responsável pelo futuro do local onde vive, a famosa frase “vocês são o futuro do Brasil” se encaixa nesse tipo de concepção, já que a juventude traria para o corpo social em geral uma nova forma de resolver os problemas e desenvolveria novos paradigmas, como a inserção da tecnologia no dia a dia das pessoas. Como afirmado por Abramo (2005), os jovens deixam de carregar a perspectiva problemática e excludente e começam a ser reconhecidos por meio das políticas que utilizam dessa diretriz como solucionadores de problemas e, portanto, é trabalhado uma perspectiva de políticas inclusivas para eles. Porém, ela também aponta o problema de que os jovens sofrem com a carga de que somente eles poderiam ser responsáveis pela mudança do futuro, o que poderia ocorrer que o poder público visualizasse apenas o que eles podem fazer para a sociedade, sem procurar realizar suas demandas. A última concepção elaborada por Dina Krauskofp (2003) e explanada por Abramo é a de juventude visualizada como sujeito de direitos. É

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